“A DOUTRINAÇÃO É UMA PRÁTICA ANTIÉTICA E ILÍCITA QUE SE DISSEMINOU POR TODO O SISTEMA DE ENSINO NOS ÚLTIMOS 30 ANOS”

Entrevista com Miguel Nagib, advogado e fundador do Projeto Escola Sem Partido
Por Fabiano Farias de Medeiros

Horizonte, 19 de Agosto de 2015 (ZENIT.org)

“O que pretendemos é assegurar que a Constituição Federal seja respeitada dentro dessas pequenas frações do território nacional que são as salas de aula”, afirma Miguel Nagib, advogado e fundador e coordenador do Projeto Escola Sem Partido, uma associação informal, independente, sem fins lucrativos e sem qualquer espécie de vinculação política, ideológica ou partidária que tem por finalidade combater o uso do sistema educacional para fins políticos, ideológicos e partidários; e defender o direito dos pais dos alunos sobre a educação moral dos seus filhos.

“A doutrinação é uma prática que se desenvolve no segredo das salas de aula, e tem como vítimas indivíduos vulneráveis, em processo de formação” alerta Miguel Nagib sobre a realidade que hoje permeia as escolas do país. Este tema e outros aspectos você confere na entrevista a seguir:


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ZENIT: Como surgiu o movimento Escola Sem Partido?
Miguel Nagib: O Escola Sem Partido surgiu em 2004, como reação de alguns pais e estudantes contra a doutrinação política, ideológica e partidária nas salas de aula e nos livros didáticos. A doutrinação é uma prática antiética e ilícita que se disseminou por todo o sistema de ensino nos últimos 30 anos.

ZENIT: Quais os objetivos do movimento Escola sem Partido?
Miguel Nagib: Nosso movimento tem, basicamente, dois objetivos: combater o uso do sistema educacional para fins políticos, ideológicos e partidários; e defender o direito dos pais dos alunos sobre a educação moral dos seus filhos. O que pretendemos é assegurar que a Constituição Federal seja respeitada dentro dessas pequenas frações do território nacional que são as salas de aula.

ZENIT: A doutrinação hoje presente nas escolas é um grande fator de relativização intelectual, moral e ética. Como o movimento tem enxergado isso e quais ações promove para combater este quadro?
Miguel Nagib: O que está acontecendo nas escolas -- refiro-me a todas as instituições de ensino, sejam públicas ou particulares, leigas ou confessionais, da educação infantil ao ensino superior -- é muito grave e preocupante. De acordo com uma pesquisa realizada em 2008 pelo Instituto Sensus, 80% dos professores reconhecem que seu discurso em sala de aula é “politicamente engajado”. São professores que usam, mais ou menos intensamente, a sala de aula, para “fazer a cabeça” dos alunos sobre questões de natureza política, ideológica e moral.

Ora, nenhum professor pode se aproveitar da presença obrigatória dos alunos dentro da sala de aula para promover suas próprias concepções políticas, ideológicas e morais. Além de violar os princípios mais elementares da ética do magistério, essa prática ofende a liberdade de consciência e de crença dos alunos, uma liberdade que é garantida pela Constituição Federal.

Por outro lado, a Constituição não permite que a máquina do Estado – suas instalações, equipamentos e pessoal – seja utilizada em benefício desse ou daquele governo, partido ou ideologia. Esse uso – vulgarmente chamado de “aparelhamento” – ofende o princípio constitucional da neutralidade política e ideológica do Estado.

Além disso, a Constituição Brasileira estabelece que o Estado deve ser laico, isto é, neutro em relação a todas as religiões. Ora, as religiões têm a sua moralidade, não é mesmo? Portanto, o Estado não pode usar o sistema de ensino para promover concepções e valores que sejam hostis à moralidade de uma determinada religião. Se ele fizer isso, deixará de ser neutro em relação a essa religião (é o que está acontecendo, por exemplo, com a chamada “ideologia de gênero”: ao adotar e promover os postulados dessa ideologia -- que são claramente hostis à moral sexual da religião cristã --, as escolas e os professores estão hostilizando a própria religião cristã, e violando, portanto, o princípio constitucional da laicidade).

Finalmente, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – que tem no Brasil hierarquia supralegal, segundo o entendimento do STF – assegura aos pais o direito “a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”. Sendo assim, nem o governo, nem a escola, nem os professores podem se aproveitar do fato de os pais serem obrigados a mandar seus filhos para a escola, para veicular conteúdos morais que possam estar em conflito com as suas convicções.

Em suma, o professor que usa a sala de aula para “fazer a cabeça” dos seus alunos está violando esses princípios e dispositivos da Constituição Federal e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Para combater esses abusos e ilegalidades, o movimento Escola sem Partido vem atuando em três frentes: legislativa, judicial e extrajudicial.

Na frente legislativa, estamos promovendo o “Programa Escola sem Partido”. Trata-se de um anteprojeto de lei, elaborado pelo nosso movimento, que prevê, entre outras medidas, a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio de um cartaz com os seguintes deveres do professor:

I - O Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária.
II - O Professor não favorecerá, não prejudicará e não constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
III - O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
IV - Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
V - O Professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
VI - O Professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.

Projetos de lei baseados no nosso anteprojeto já foram apresentados no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas de SP, RJ, RS, AL, CE, ES, GO e DF, e em diversas Câmaras de Vereadores.

Na frente judicial, estamos orientando os estudantes e os pais que se sentirem lesados pela prática da doutrinação política, ideológica e moral em sala de aula, a buscar na Justiça a reparação dos danos materiais ou morais porventura sofridos. De acordo com o Código Civil (art. 927), “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. E a doutrinação, como eu disse, é inequivocamente uma prática ilícita.

Agora, é preciso deixar claro que as escolas particulares -- não as públicas! -- têm todo direito de adotar uma determinada orientação em matéria de moral. E as famílias têm todo direito de escolher essas escolas para os seus filhos. Desde que a família esteja de acordo com os valores adotados pela escola -- e desde que esses valores não violem as normas legais protetivas da infância e da juventude -- ninguém tem nada com isso. Por exemplo: se a escola deixa claro, no contrato de prestação de serviços assinado com os pais do aluno, que está comprometida com os postulados da ideologia de gênero e com a desconstrução da heteronormatividade, os pais não poderão reclamar na Justiça, se o seu filho chegar em casa com batom nos lábios e fita cor-de-rosa no cabelo... Mas, se isso não estiver no contrato, tanto a escola, como o professor, poderão ser processados por danos morais.

Por fim, na frente extrajudicial, estamos realizando palestras e seminários, com o objetivo de esclarecer as partes envolvidas na relação de aprendizado -- escolas, professores, estudantes e pais -- sobre os aspectos éticos e jurídicos da doutrinação política, ideológica e moral em sala de aula (quem tiver interesse, escreva para contato@escolasempartido.org).

Nessa frente, temos encontrado grande resistência por parte dos professores. A maioria, infelizmente, não parece muito inclinada a refrear o ímpeto de “fazer a cabeça” dos alunos. Diante dessa atitude, elaboramos um modelo de notificação extrajudicial para ser utilizado pelos pais dos alunos. Por meio dessa notificação, o professor é cientificado de que poderá vir a responder civilmente pelos danos que causar, caso não respeite a liberdade de consciência e de crença do estudante e o direito dos seus pais de dar a ele a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. O modelo de notificação extrajudicial está disponível no seguinte endereço: http://escolasempartido.org/artigos-top/552-modelo-de-notificacao-extrajudicial-a-professores

Chamo a atenção para a absoluta transcendência dos valores que estão em jogo nessa matéria. Os danos causados pela doutrinação em sala de aula não se limitam ao plano do conhecimento e das escolhas políticas e ideológicas que serão feitas pelo indivíduo ao longo desta vida (o que não é pouca coisa, diga-se). Infinitamente mais graves são os efeitos que se projetam sobre a vida eterna. Refiro-me, por exemplo, ao jovem cristão que vem a perder a fé por influência de algum professor marxista. E não é segredo para ninguém que as instituições de ensino estão infestadas de ateus militantes. Por isso, os pais devem estar atentos e agir prontamente, ao menor sinal de que estejam ocorrendo abusos por parte dos professores ou das escolas. É melhor prevenir do que remediar.
As escolas particulares também podem (e devem) se prevenir. De que forma? Afixando nas salas de aula o cartaz com os Deveres do Professor. É importante observar que esses deveres já existem, independentemente da aprovação dos projetos de lei que estão tramitando pelo país. Eles existem porque decorrem, necessariamente, da Constituição Federal e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Além disso, as escolas devem orientar seus professores sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente.

ZENIT: Como identificar que esta doutrinação está acontecendo?
Miguel Nagib: A doutrinação é uma prática que se desenvolve no segredo das salas de aula, e tem como vítimas indivíduos vulneráveis, em processo de formação.
Assim, ao mesmo tempo em que não é possível saber o que está acontecendo, a cada momento, no interior das salas de aula, os estudantes, na sua inexperiência e falta de conhecimento, muitas vezes não conseguem perceber que estão sendo vítimas de doutrinação.
Por isso, é preciso informar e educar os estudantes sobre o direito que eles têm de não ser doutrinados por seus professores. Ou seja, é preciso dar a eles os meios de que eles necessitam para se defender do assédio ideológico e moral eventualmente praticado por seus professores, já que dentro da sala de aula ninguém mais vai poder fazer isso por eles.
É esse o objetivo da afixação do cartaz com os deveres do professor dentro das salas de aula.
Além disso, é preciso informar e educar os próprios professores sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente. A propósito, é quase inacreditável que não exista uma disciplina obrigatória de ética do magistério nos cursos de formação de professores.

ZENIT: Vimos recentemente o caso da escola no Distrito Federal que foi condenada a pagar indenização por danos morais ao aluno que se deparou com livro de conteúdo pornográfico. Quais os meios legais que pais e alunos podem utilizar para defender seus filhos?
Miguel Nagib: Muito bem lembrado: um colégio de Brasília acaba de ser condenado a pagar uma indenização de R$ 30 mil aos pais de uma aluna de 11 anos, que teve acesso, na biblioteca da escola, a um livro infantil de “iniciação sexual”, considerado impróprio pela família e pelo juiz.

Essa condenação deve servir de alerta para que as escolas e os professores se abstenham de transmitir aos estudantes conteúdos morais que possam ser considerados “impróprios” pelos pais dos alunos. Afinal, se a escola foi condenada por manter no acervo da biblioteca um livro infantil de “iniciação sexual”, com muito mais razão ela poderia ser condenada, se esse tipo de conteúdo fosse veiculado por um professor em suas aulas. A escola responde pelos danos causados pelo professor no exercício das suas funções, mas o professor também pode ser chamado a responder pessoalmente pela reparação do dano causado. Os pais decidem se querem mover a ação apenas contra a escola, apenas contra o professor ou contra ambos.

A lei facilita enormemente a propositura dessas ações de reparação de dano. As causas cujo valor não exceda 40 salários mínimos, podem ser ajuizadas perante os juizados especiais cíveis; nessas ações, não é necessário estar assistido por advogado (se o valor da indenização pleiteada for igual ou inferior a 20 salários mínimos - R$ 15.760,00); não há cobrança de custas judiciais nem, se a demanda for julgada improcedente, condenação ao pagamento de honorários ao advogado da parte contrária (a não ser que o juiz reconheça a litigância de má-fé). Caso haja recurso da sentença, aí sim, a parte vencida será condenada a pagar custas e honorários advocatícios.
Mas, como eu disse, o ideal é prevenir a ocorrência desses fatos.

ZENIT: O Deputado Izalci (PSDB/DF) apresentou, em março deste ano o Projeto de Lei nº 867/2015, que inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional o "Programa Escola sem Partido". Como está a tramitação deste Projeto, as expectativas e a aplicação que ele terá?
Miguel Nagib: O PL 867/2015, do Deputado Izalci, está na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, com parecer do Deputado Diego Garcia (PHS/PR) pela sua aprovação. O parecer ainda não foi votado. Tenho esperança de que o projeto será aprovado, mas não será fácil, pois existem muitos deputados de esquerda na Comissão de Educação, e os partidos de esquerda, como se sabe, são os grandes promotores e beneficiários da doutrinação política e ideológica nas escolas e universidades. Portanto, não tenho dúvida de que esses deputados farão o possível para enterrar o projeto. Por isso, é importante que a sociedade e as famílias se mobilizem, a exemplo do que fizeram e vêm fazendo com relação à introdução da ideologia de gênero nos planos nacional, estaduais e municipais de educação.

ZENIT: O país iniciou as votações do Planos Estaduais de Educação, ainda com forte apelo à inclusão da Ideologia de Gênero. O que a aprovação do Plano contendo tal conteúdo significaria para a educação de nossos filhos no país?
Miguel Nagib: A aprovação do plano com esse conteúdo -- isto é, contemplando a ideologia de gênero -- conferiria ares de legalidade a uma prática que está sendo adotada amplamente nas salas de aula das escolas brasileiras, apesar da sua inconstitucionalidade. Apenas isso.
É uma ingenuidade acreditar que os professores estavam esperando a aprovação dos Planos para aplicar em sala de aula os postulados da ideologia de gênero. Ora, eles estão fazendo isso há anos! Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que foram aprovados durante o governo FHC (1997/1998), existe um capítulo inteiro dedicado às “questões de gênero”. Depois de dizer que “a construção do que é pertencer a um ou outro sexo se dá pelo tratamento diferenciado para meninos e meninas, inclusive nas expressões diretamente ligadas à sexualidade e pelos padrões socialmente estabelecidos de feminino e masculino”, os PCNs estabelecem que, até o fim do ensino fundamental, os alunos devem ser capazes de “reconhecer como determinações culturais as características socialmente atribuídas ao masculino e ao feminino”. Alguma dúvida?
Portanto, é preciso entender que o fato de a palavra “gênero” não ser mencionada nos planos de educação não vai impedir que os professores adotem, ou melhor, continuem a adotar, nas suas aulas, práticas pedagógicas inspiradas na ideologia de gênero.

Para impedir essas práticas, é necessário proibi-las expressamente, e é isso o que prescreve o art. 1º, parágrafo único, do nosso anteprojeto de lei:
Parágrafo único. O Poder Público não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer ou direcionar o natural desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da ideologia de gênero.

Além de proporcionar às famílias, às escolas e aos professores uma compreensão mais exata sobre os limites da ação do Estado em matéria de moral -- limites que decorrem, como vimos, do princípio constitucional da laicidade, e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos --, a aprovação desse dispositivo estreitaria drasticamente a margem de manobra do ministério e das secretarias de educação; dos autores de livros didáticos e dos professores, dentro das salas de aula.

ZENIT: Onde conhecer mais sobre o Projeto Escola sem Partido?
Miguel Nagib: Para saber mais sobre o nosso projeto, visite o site: www.programaescolasempartido.org. 


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