Qual a origem do movimento racial do Brasil?

Consciência negra: um produto da Fundação Ford

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Os esforços para estabelecer o apartheid politicamente correto no Brasil são oriundos da Fundação Ford, que banca a operação.


O artigo de hoje é sobre a chamada consciência negra, uma picaretagem que seria apenas cômica se não consistisse em fomentar a luta de brasileiros contra brasileiros em benefício de um projeto político orquestrado por entidades estrangeiras.
O observador atento já terá notado. Para o movimento negro, só tem dignidade o negro sindicalizado, o negro coletivo, ressentido e vítima do sistema. O negro que está pouco se lixando para as diretrizes do "movimento" é o negro alienado, ludibriado por uma falsa consciência.
Nesses dias de promoção da negritude militante li queixas dos racialistas contra um tal racismo institucional. Sou um jornalista fora de moda e ainda tento usar as palavras conforme o seu significado. "Institucional" refere-se a procedimentos oficiais, a práticas adotadas como lei pelo Estado. Instituir cotas e políticas exclusivas a um grupo com base na cor da pele de seus integrantes não seria justamente o racismo institucional?
Os esforços para estabelecer o apartheid politicamente correto no Brasil são oriundos da Fundação Ford, que banca a operação. No recém-lançado livro Uma Gota de Sangue, o sociólogo Demétrio Magnoli expõe a relação direta entre a Fundação Ford e o florescimento de movimentos de reivindicação, em vários países, baseados em noções raciais, étnicas e mesmo sexuais. É o caso do movimento negro no Brasil. Devo ressaltar que o patrocínio da Fundação Ford a esses grupos de pressão já vem sendo analisado e denunciado há pelo menos uma década pelo professor Olavo de Carvalho.
Em 2001, a Fundação Ford gastou 280 milhões de dólares na formação de "lideranças emergentes de comunidades marginalizadas fora dos EUA". Segundo Magnoli, "as subvenções da Fundação replicaram nas universidades brasileiras os modelos de estudos étnicos e de 'relações raciais' aplicados nos EUA e consolidaram uma rede de organizações racialistas que começaram a produzir os discursos e demandas dos similares norte-americanos". Isso inclui a doação de dinheiro a universidades que tenham implantado o sistema de cotas.
Nos últimos dez anos, as ONGs racialistas proliferaram em nosso país como fungos na umidade, e ganham mais poder a cada dia. É claro que não é por acaso. Existe uma agenda e existe um financiador. Os acadêmicos e militantes que trabalham dia e noite para provocar a luta de brasileiros contra brasileiros estão na folha de pagamento da Fundação Ford.

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Os artigos que escrevo para O Estado são, infelizmente para mim e felizmente para outros, bem curtos devido à diagramação da página. Este aí em cima serve só para criar curiosidade sobre o assunto. Sugiro aos interessados que leiam Movimento Negro: A Fabricação do Racismo, do jornalista e sociólogo José Maria e Silva, publicado no Jornal Opção, de Goiânia. O post A Fundação Ford e o multiculturalismo, do blog "Acarajé Conservador", é uma transcrição de Uma Gota de Sangue a respeito dos serviços prestados pela Fundação Ford na fabricação da militância racialista no Brasil.

Artigo publicado no jornal O Estado, em 19 de novembro.
 
 

A Fundação Ford e o multiculturalismo

Edsel Bryant Ford, filho de Henry Ford, o fundador da Ford Motor Co., presidiu a gigante de Detroit entre 1919 e 1943. Em 1936, ele e seu pai, na tradição filantrópica americana, estabeleceram a FF e definiram como sua missão administrar fundos para o desenvolvimento científico e educacional e para a caridade. Após a morte dos dois fundadores, em 1947, a presidência passou a Henry Ford II, filho de Edsel, a FF recebeu uma fortuna em ações da Ford Motor. Em 1955, por decisão do conselho de curadores, a Fundação começou a vender suas ações da montadora automobilística e, em meados da década de 1970. já não mantinha nenhuma relação com a Ford Motor.

O ensaísta americano Dwight Macdonald descreveu, em 1956, a FF como “um grande corpo de dinheiro totalmente circundado por pessoas que querem algum”. O patrimônio financeiro legado pelos fundadores transformou a Fundação na maior entidade filantrópica do mundo, e sua missão foi redefinida em torno das metas de promover internacionalmente a liberdade, a democracia, a paz e a educação.

Nos anos da aurora da Guerra Fria, a FF funcionou como um tentáculo oculto da política externa americana. Paul Hoffman, um dos mais destacados arquitetos do Plano Marshall na Europa, deixou o governo americano para presidir a FF entre 1950 e 1953, quando ela iniciou a sua expansão no exterior. Richard M. Bissell Jr. Trabalhou como alto- executivo da Fundação logo depois de servir na administração do Plano Marshall e pouco antes de ingressar oficialmente na CIA. John J. McCloy foi secretário da Guerra entre 1941 e 1945 e depois, sucessivamente, presidente do Banco Mundial, alto-comissário dos EUA na Alemanha ocupada, CEO do Chase Manhattan Bank e CEO da FF. Nos sete anos que dirigiu a Fundação, a partir de 1958, manteve o hábito de definir, em visitas informais e conversas com membros do Conselho de Segurança Nacional, os projetos no exterior que seriam agraciados com os maiores financiamentos da FF.

McGeorge Bundy tinha apenas 30 anos quando participou, com Bissell, de um grupo de formuladores de política externa que procurava articular o Plano Marshall à ajuda da CIA a grupos anticomunistas na França e Itália. Ele chegou ao governo junto com a equipe de acadêmicos montada por John Kennedy e serviu como conselheiro de Segurança Nacional nos governos Kennedy e Johnson, até 1966, quando se tornou presidente da FF. Nos treze anos de presidência de Bundy, a Fundação descobriu as minorias, desempenhando um papel crucial na difusão das políticas de raça nos EUA e na arena internacional. A reorientação não podia ser mais radical: em 1960, o item “direitos das minorias” representava 2,5% dos financiamentos; em 1970, atingia 40%.

No fim da década de 1960, a FF estava diante de um cenário de crise política que se agravou ao longo do primeiro mandato de Nixon, quando as coalizões sociais articuladas no movimento pelos direitos civis voltavam-se para a luta contra a Guerra do Vietnã. O núcleo dirigente da Fundação interpretou a radicalização dos protestos como um sintoma de funcionamento defeituoso do pluralismo político e formulou o conceito de multiculturalismo como uma ferramenta para restabelecer a normalidade nas engrenagens da democracia. De acordo com a lógica do multiculturalismo, as amplas coalizões sociais deveriam dar lugar a organinazações e movimentos específicos, delineados em função dos interesses de cada minoria. A Fundação ajudaria a esculpir esses movimentos, oferecendo-lhes plataformas políticas e fundos capazes de sustentar grupos de pressão.

A introdução das “políticas da diferença” – ou da “diversidade”, na linguagem oficial da FF – teve um poderoso efeito de cooptação de lideranças e intelectuais. Investigando as fundações filantrópicas, o sociólogo Craig Jenkins registrou que elas funcionam como “porteiros”, financiando os movimentos e as iniciativas que, por essa via, conseguem converter suas bandeiras em políticas públicas. “No processo, elas também selecionaram as novas organizações que se tornaram traços permanentes da paisagem política.” É precisamente o que ocorreu nos EUA a partir da intervenção da FF.

A estratégia foi deflagrada por meio da advocacia de interesse público voltada para minorias. A FF financiou fundos para litigância em defesa dos mexicanos-americanos (Maldef), dos porto-riquenhos (PR-LDEF), dos povos indígenas (Native-American LDEF) e das mulheres (WLF). Essas organizações, que não têm uma base de associados, dependem inteiramente de doações oferecidas por empresas e fundações, em especial a FF. Como é natural, seus dirigentes são ativistas ligados à Fundação. Contudo, esses ativistas se apresentam na esfera pública como representantes dos interesses das respectivas “minorias” e, em virtude dos recursos financeiros de que dispõem, exercem significativa influência institucional. Previsivelmente, todas as organizações criadas nessas bases engajaram-se na promoção das políticas de discriminação reversa, funcionando como grupos de pressão profissionalizada.

O envolvimento da FF com os negros iniciou-se pelo financiamento de uma organização histórica, que desempenhou papéis relevantes nas lutas pelos direitos civis. A NAACP ganhou um fundo jurídico e educacional, mas perdeu sua independência. Apesar de manter mais de seiscentos mil filiados, passou a depender essencialmente das grandes entidades filantrópicas e engajou-se nas políticas de raça. O processo culminou em 1994, quando a venerável organização, que enfrentava situação falimentar, foi resgatada por duas contribuições da FF, num total de seiscentos mil dólares, depois de substituir seu diretor-executivo pelo pretendente indicado pela Fundação.

A FF não se limitou a financiar as organizações previamente existentes. Com o seu patrocínio, movimentos militantes de “chicanos” foram transformados numa organização étnica. O Conselho do Sudoeste de La Raza (SWCLR) nasceu em Phoenix, Arizona, em 1968, a partir da contratação de três lideranças comunitárias pela FF. Cinco anos depois. O SWCLR tornou-se uma organização nacional, mudou sua sede para Washington e seu nome para Conselho Nacional de La Raza (NCLR). Logo depois, a Fundação entrou em atrito com o sindicalista Henry Santiestevan, que presidia o NCLR, e exigiu a sua substituição, ameaçando suspender os financiamentos. Raul Yzaguirre assumiu a presidência, alinhou por completo a organização à agenda política do doador original e converteu-a numa poderosa instituição, financiada pelo governo federal, além de grandes empresas e diversas entidades filantrópicas.

O discurso da vitimização e os recursos financeiros da FF uniram-se para gerar o que o jornalista George Will caracterizou, apropriadamente, como “a proliferação de grupos acalentando mágoas e reinvidicando direitos”. Como registrou Joan Roelofs, um dos resultados do processo foi a cooptação em massa de lideranças independentes: “ativistas de movimentos sociais são desse modo transformados em pesquisadores, administradores e litigantes; e os movimentos são fragmentados em ‘políticas identitárias’.

Na sua origem, a FF já representava as tendências modernas da filantropia, que não pretende oferecer donativos aos pobres, mas fazer uso das ciências sociais para reformar as sociedades. Desde a revisão de sua missão, no pós-guerra, a Fundação havia se fixado na meta de influenciar as políticas públicas e promover reformas institucionais não só a partir do convencimento dos governos, mas, especialmente, pela mobilização de base. A aventura multiculturalista nas universidades americanas derivou da combinação dos dois paradigmas.

A abordagem básica da Fundação consistiu em incentivar a adoção de sistemas de admissão orientados por preferências para “grupos minoritários”. O instruumento pragmático utilizado foi oferecer vultosas doações, condicionando-as à implantação de cotas para minorias. Contudo, as ambições da FF ultrapassavam em muito a mera mudança dos sistemas de admissão. A finalidade era reformar de alto a baixo as perspectivas acadêmicas, as atitudes políticas, os currículos e as práticas nas universidades. Tratava-se, no fim das contas, de incutir o princípio do multiculturalismo no código genético do fazer acadêmico. Mais uma vez, a ferramenta de persuasão seria a oferta condicional de generosas doações.

Os relatórios anuais da FF descrevem, às vezes com minúcias, o modus operandi do assalto às universidades. Um único exemplo em 1989, duzentas universidades e faculdades foram convidadas a concorrer por doações de cem mil dólares “para revisar ou desenvolver programas acadêmicos voltados a dar uma máxima atenção à cultura e experiência de minorias étnicas e a fazer as perspectivas multiculturais pesarem em todos os aspectos do currículo”. Uma das 19 instituições agraciadas, a Universidade Brandeis, de Massachusetts, comprometeu-se a organizar um curso de verão sobre as tradições orais na África e na “diáspora africana” e, mais amplamente, a incorporar materiais africanos e “derivados da África” no núcleo de seu currículo.

O cientista político Harold Laski (1893-1950), com sua longa experiência em Harvard, Yale e na London School of Economics, conhecia o impacto das fundações sobre as universidades: “As fundações não controlam, simplesmente porque, no significado direto e simples da palavra, não há necessidade de fazerem isso. Elas têm apenas que indicar a inclinação momentânea de suas mentes para todo o mundo universitário descobrir o sentido apontado e tender rapidamente para aquele ângulo do compasso intelectual”. Entretanto, Laski não viveu o suficiente para apreciar a ousada operação da FF no mundo universitário americano. A Fundação não se limitou a distribuir doações institucionais condicionadas, mas criou vastos programas de bolsas de pesquisas, destinados a professores, e de especialização, destinados a pós-graduados e graduandos. Para ter mais mais chances de sucesso na conquista das bolsas, os pretendentes deviam formar “equipes multiculturais” e definir temas e abordagens multiculturalistas.

Do ponto de vista teórico , o multiculturalismo assenta-se sobre um primeiro pressuposto que não é dramaticamente distinto do artigo de fé do “racismo científico”. Esse pressuposto pode ser expresso como a noção de que a humanidade se divide em “famílias” discretas e bem definidas, denominadas etnias. O “racismo científico” fazia as suas “famílias” - as raças – derivarem da natureza. O multiculturalismo faz as etinias derivarem da cultura. O segundo pressuposto do multiculturalismo é que a cultura corresponde a um atributo essencial, imanente e ancestral de cada grupo étnico. Essa naturalização da cultura evidencia que o conceito de etnia, na narrativa multiculturalista, ocupa um nicho metodológico paralelo àquele do conceito de raça na narrativa do “racismo científico”.

Sob o influxo dos milionários financiamentos da FF, as universidades imitaram os padrões de segregação urbana e criaram seus próprios guetos, na forma de novos campos de estudo – Black Studies, depois African-American Studies, Mexican-American Studies, Native-American Studies, os estudos de race relations, os “estudos femininos” e incontáveis estudos étnicos específicos. Nos cinco anos iniciais, implantaram-se mais de quinhentos programas de Black Studies nos EUA. Desse modo, os pressupostos multiculturalistas adquiriam vida e realidade, como componentes do saber acadêmico consagrado. Mas, não satisfeita em produzir objetos de estudo, a “transformação curricular” injetou a raça, a etnia e o gênero em todos os departamentos e disciplinas, investigando, por exemplo, o “olhar afro-americano” das paisagens urbanas, os temas feministas na arte conteporânea e a misoginia inscrita na Nona Sinfonia de Beethoven.

Universidades em busca de dinheiro e acadêmicos em busca de prestígio definirtam suas prioridades acadêmicas nos termos sugeridos pelo doador. A Universidade de Chicago, seguindo as tendências gerais, implantou um Centro para o Estudo da Raça, Política e Cultura que, no início de 2005, recebeu da FF de de outras entidades filantrópicas mais de um milhão de dólares em doações. Cathy Cohen, diretora do Centro, explicou que o “recebimento das doações mostra que pesquisa inovadora está sendo realizada”, um raciocínio amparado na curiosa idéia de que os donos do dinheiro são os melhores avaliadores da pertinência de um saber.

A maior das doações recebidas naquele ano pelo Centro dirigido por Cohen, proveniente da FF, no valor de seiscentos mil dólares, destinava-se à linha de pesquisa “Os jovens afro-americanos e seu empoderamento sexual: sexo, política e cultura”. É claro que a linha de pesquisa não existiria sem a intervenção da Fundação. Mas há algo de maior relevância: a mera enunciação do programa acadêmico significa que, de acordo com o saber institucional adventício, “afro-americanos” constituem um grupo perfeitamente identificável e distinto dos demais por feições culturais relacionadas ao sexo e à política.

A marcha do multiculturalismo pelos campi universitários nem sempre contou com a adesão voluntária dos acadêmicos, mas a Fundação soube manejar com eficácia seus meios de persuasão. Robert Steele, professor de Psicologia na Universidade Wesleyan, de Connecticut, que cumpriu o papael de coordenador de uma das sessões da conferência “Intensificação da diversidade cultural”, patrocinada pela FF em Pasadena, Califórnia, em 2004, explicitou o receituário: “As pessoas não serão pacificamente assimiladas ao multiculturalismo por meio da verdade, através do diálogo. Você lhes dá assistentes de pesquisa, você oferece orientadores de pós-graduação.” A meta não é apenas inncutir idéias, mas colocar os acadêmicos ligados à Fundação nos postos de comando e, efetivamente, assumir o controle de departamentos e universidades inteiras: “Nós teremos mudado a universidade quando mulheres e pessoas de cor possam se ver dirigindo o lugar.”

Henry Ford II deixou a presidência da FF em 1950, mas permaneceu envolvido com a sua direção durante mais um quarto de século, como CEO e depois como curador. Contudo, ele experimentou uma desilusão crescente com os rumos da entidade filantrópica e, em 1977, renunciou à sua posição no conselho. “A Fundação é uma criatura do capitalismo”, observou, mas tornou-se difícil identificar algum traço de capitalismo “em qualquer coisa que ela faz. É ainda mais difícil encontrar uma compreensão disso em muitas das instituições, particularmente as universidades, que são beneficiárias do programa de subvenções da Fundação”.

O herdeiro dos fundadores era um conservador da velha estirpe e não entendia o sentido das políticas conduzidas pela FF desde o final da década de 1960. Mas, pela perspectiva de Bundy e de seus sucessores, o multiculturalismo era um remendo vital para o sistema político do capitalismo – e não apenas nos EUA.

(...)

A FF participou de todos os aspectos do empreendimento multiculturalista nos EUA. Mas, sobretudo, ela funcionou como o nó mais importante de articulação entre a universidade, as organizações de pressão e os órgãos da administração pública. Por intermédio da Fundação, acadêmicos encontraram os caminhos rumo a postos na direção das organizações de minorias e a cargos governamentais encarregados de programas de ação afirmativa. No sentido inverso, ativistas foram inseridos em programas universitários de pós-graduação, sob a orientação de professores financiados pela Fundação. Como consequência dessa “circulação de cérebros”, configurou-se uma rede multiculturalista tentacular, organicamente descentralizada, mas que compartilha a mesma visão de mundo.

Desde as origens, a FF viu-se a si mesma como um ator global. O poderio financeiro da Fundação conferia-lhe uma capacidade de projetar influência muito além das fronteiras americanas e ela organizou-se para atuar agressivamente no exterior. Em 1952, inaugurou seu primeiro escritório regional, em Nova Délhi, na Índia, logo seguido pelo de Jacarta (Indonésia) e, em 1957, pelo do Ciro (Egito). No início da década de 1960, surgiram os escritórios africanos de Lagos (Nigéria) e Nairóbi (Quênia) e os latino-americanos da Cidade do México, Rio de Janeiro e Santiago (Chile). Numa fase posterior, com a abertura chinesa, o encerramento da Guerra Fria e o colapso do apartheid, implantaram-se escritórios em Pequim (China), Moscou (Rússia), Hanói (Vietnã) e Johannesburgo (África do Sul). Em 2005-2006, as doações dos escritórios regionais representavam 30% dos desembolsos totais da Fundação.

A sede mundial, em Nova York, base do conselho de curadores de 13 membros, e os escritórios regionais do exterior empregam um corpo permanente de seis centenas de funcionários. Dinheiro nunca foi problema. No ano fiscal de 2007, a FF estava entre as cinco entidades filantrópicas mais ricas, com patrimônio total de 13,7 bilhões de dólares. Ao longo de sete décadas, ela distribuiu mais de 15 bilhões em doações para milhares de instituições e indivíduos. Em 2001, na maior subvenção singular de sua história, usou 280 milhões de dólares para criar um programa de bolsas de pós-graduação destinadas a “lideranças emergentes de comunidades marginalizadas fora dos EUA”. Trata-se, evidentemente, de uma ferramenta de cooptação de lideranças comunitárias em larga escala. Com cerca de 4,3 mil bolsistas espalhados pelo mundo, o programa recebeu, em 2006, 75 milhões adicionais e foi estendido até 2004.

O multiculturalismo organizou praticamente todos os aspectos da atuação da FF nos EUA a partir dos anos 1970. No exterior, o novo paradigma teve que ser adaptado aos variados cenários nacionais e a outras prioridades na agenda da Fundação. Na Índia, o escritório regional definiu a “diversidade” nos termos postos pelo antigo sistema de castas, que havia sido reativado pelas políticas coloniais britânicas, e dirigiu recursos para os defensores da ação afirmativa em benefício das “castas desfavorecidas”. No México e na América Central, a FF concentrou-se na promoção de identidades étnicas de grupos ameríndios, que foram classificados como minorias marginalizadas.

Na África, os escritórios de Lagos e Nairóbi subvencionaram organizações de proteção de direitos de minorias, o que em diversos casos, mas não sempre, significa a promoção de interesses exclusivistas de elites étnicas e regionais. Com o fim do apartheid, a política de black empowerment conduzida pelo governo sul-africano evidenciou-se mais de uma vez pela presença de “homens da Ford” em ministérios e na alta administração governamental. O caso mais notório é o da Nigéria, cujo ex-ditador Olusegun Obasanjo tornou-se membro do conselho de curadores da Fundação, dirigindo seu Comitê de Assuntos Internacionais, cargo do qual renunciou para se eleger presidente do seu país pelo voto popular, em 1999. Após a posse de Obasanjo, a FF ajudou a subvencionar a comissão oficial encarregada de redigir uma nova Cosntituição.

A difusão internacional do multiculturalismo, foi interpretada pelos sociólogos franceses Bourdieu e Wacquant como “uma verdadeira ‘globalização’ das problemáticas americanas”. A ação da FF no Brasil atesta a agudeza desse diagnóstico. As subvenções da Fundação replicaram nas universidades brasileiras os modelos de estudos étnicos e de “relações raciais” aplicados nos EUA e consolidaram uma rede de organizações racialistas que começaram a reproduzir os discursos e demandas das similares afro-americanas. Por essa via, a polaridade branco/preto, que se coagulou nos EUA com a regra da gota de sangue única, foi exportada para os ativistas no Brasil, um país atravessado por desigualdades sociais muito diferentes e cuja tradição identitária articulou-se em torno da idéia de mestiçagem.

Da inauguração do escritório brasileiro até 2001, a FF desembolsou em doações 347 milhões de dólares, em valores ajustados à inflação. Na década inicial, os valores anuais de subvenções giraram em torno de 11 milhões. A partir de 1975, as doações caíram dramaticamente, até 2,1 milhões em 1978 e, em 2001, o valor doado atingiu 16 milhões de dólares. No decênio iniciado em 1995, os valores médios alcançaram o patamar de 13 milhões.

O perfil dos financiamentos no Brasil conheceu uma mudança de outra natureza, expressa na nítida tendência histórica de aumento do número anual de doações, que saltou de menos de uma dezena nos anos iniciais para mais de uma centena desde o final dos anos 1990. a estratégia original de concentração das doações em grandes donatários institucionais, especialmente universidades, deu lugar a uma orientação de pulverização do dinheiro por inúmeras pequenas organizações não governamentais (ONGS). Os números atestam a escala da mudança de rota: as ONGS brasileiras, que receberam 4% das subvenções totais na primeira década, saltaram para 54% no início do século XXI.

O “giro popular” da Fundação acompanhou a sua “decisão de privilegiar uma definição mais instrumental das Ciências Sociais” e beneficiou, em especial, as “organizações de ativistas afro-brasileiros” engajadas nas políticas de raça e na demanda de iniciativas de discriminação reversa. Num movimento complementar, as doações destinadas a universidades, embora continuassem a fornecer recursos para os mais variados programas, passaram a privilegiar instituições que figuraram como modelos para a difusão dos sistemas de admissão por cotas raciais.*

No Brasil, não existiam organizações tradicionais como a NAACP, com uma ampla base social entre os negros. Inexistiam também organizações militantes de relevância, com exceção do Movimento Negro Unificado, que tendia a rejeitar o modelo americano do black capitalism. Por isso, o “giro popular” da FF resultou, basicamente, no surgimento de uma rede de ONGS racialistas constituídas ao redor de ativistas acadêmicos. As novas ONGS cultivaram as suas relações com a Fundação e importaram utilitariamente a linguagem multiculturalista elaborada nos EUA.

Entretanto, a doutrina multiculturalista incorporou-se ao código genético do escritório regional da FF e foi convertida num eixo transversal de articulação do conjunto das subvenções. O sociólogo Edward Telles, chefe do programa de Direitos Humanos da Fundação no Brasil entre 1996 e 2000, explicou a metodologia utilizada para a seleção de donatários desde o final dos anos 1990:

A Ford-Brasil requer uma”tabulação da diversidade” e uma explicação de todos os seus financiados em todos os campos de atuação. Isto inclui mais de cem apoios por ano, dos quais menos de vinte são, principalmente, sobre questões raciais. Esta tabulação enumera toda a equipe em diferentes níveis, de acordo com critérios de gênero (...), de raça (brancos/não brancos) , e a explicação induz os financiados e explicarem por que eles refletem, ou não, a diversidade local com respeito a gênero e cor e o que eles pretendem fazer para melhorar isto.
* A Universidade Estadual do Rio de Janeiro recebeu uma doação de US$1,3 milhão, que figura na lista das maiores da história do escritório, em 2001, quando implantou seu programa pioneiro de cotas raciais. A Universidade de Brasília implantou seu programa em 2004 e nos anos seguintes recebeu sucessivas doações. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul resistiu até 2007, quando instituiu cotas raciais e recebeu US$ 130 mil. A Universidade Federal de São Carlos, outra “retardatária”, foi contemplada com uma doação excepcional de U$S 1,5 milhão em 2007, ano em que aderiu ao sistema de cotas.

(Retirado do livro "Uma Gota de Sangue" de Demétrio Magnoli e transcrito por Graça Maria Ravazzano)

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