A abertura do baú russo de truques estratégicos e políticos

O politicamente correto foi uma invenção marxista com o fim de destruir a sociedade ocidental desde dentro... E na Rússia não há qualquer vestígio de politicamente correto! A razão para isso é que os marxistas não precisam solapar a sociedade russa desde dentro, pois ela já é marxista.
Konstantin Preobrazhensky, “Como o Ocidente foi enganado por Vladimir Putin”


Para entender o que se passa na Ucrânia, é proveitoso ter em conta o baú russo de truques estratégicos e políticos. É nossa incapacidade de entender esses truques que nos levou a avaliar erroneamente as jogadas e as intenções russas. Falando só aqui entre nós, é o caso de perguntar se nosso atual método de ameaça de sanções econômicas é algo solidamente realista, dado que temos em nosso meio tanto agentes quanto amigos russos. Afinal de contas, há algo estranho em um sistema econômico vulnerável como o nosso perseguindo um Estado (Rússia) que tem um longo histórico semi-autárquico.

Sem dúvidas as sanções contra a Rússia são necessárias, mas os gigantes do mercado estariam dispostos a abrir mão do mercado russo? Será que algum político agiria contra os interesses econômicos dos gigantes do mercado? Lembremos novamente que não se deve subestimar a influência russa na nossa própria economia. Além do mais, mesmo que fossem viáveis politicamente as sanções contra a Rússia, o Ocidente tornou-se vulnerável às contramedidas russas, pois a Rússia representa o capital do crime organizado internacional e, como tal, funciona como uma ‘câmara de compensação’ internacional das chantagens políticas, da corrupção bancária através da lavagem de dinheiro, da infiltração na CIA e no FBI, e como conspiradora para o enfraquecimento do dólar americano. Pode-se até perguntar: dadas as ferramentas disponíveis aos estrategistas russos, como eles poderiam fracassar?
E há também o potencial militar russo. A respeito dos seus maiores oponentes, o Ocidente subestimou seriamente seus inimigos duas vezes no último século: primeiro em 1939 quando os Aliados acreditavam ter contido a Alemanha nazista com a “garantia” que eles deram sobre a Polônia; e depois com as sanções ao Japão em 1941. No primeiro caso, a Alemanha massacrou a Polônia e quebrou a França. No segundo caso, o Japão destruiu a frota americana em Pearl Harbor, derrotou as forças americanas nas Filipinas e capturou tropas britânicas na Cingapura.
Alguns podem afirmar que os russos não são tão capazes quanto os alemães e japoneses. Afinal, a Rússia é um país atrasado; a economia russa cheira mal; os equipamentos russos são obsoletos e seu povo está desmoralizado. Ainda mais notável é que os comandantes russos são bonecos políticos que seguem ordens. Mas espere! A Rússia foi a primeira a mandar o homem para o espaço. A Rússia lançou o primeiro satélite. A Rússia construiu a primeira versão operacional da bomba de hidrogênio. Não vamos cometer o erro de subestimar a Rússia.
Adolf Hitler subestimou a Rússia. Sim, em 1942, da boca do próprio Hitler, em uma conversação gravada com o Barão Mannerheim, houve a seguinte conversa:

Mannerheim: [Incrível] o que eles tinham guardado!

Hitler: Absolutamente... bem... se alguém me dissesse que uma nação [a URSS] pudesse começar com 35.000 tanques, eu diria: ‘Você é louco!’
Mannerheim: Trinta e cinco? — disse surpreso
Hitler: Trinta e cinco mil tanques.
Outra voz de fundo: Trinta e cinco mil!
Hitler: Destruímos — até agora — mais de 34.000 tanques. Se alguém tivesse me dito isso, eu teria dito ‘Você é louco, está vendo fantasmas’. Eu afirmaria que isso não é possível. Como eu havia dito anteriormente, achamos fábricas, sendo uma delas em Kramatorskaia. Dois anos atrás haviam lá umas duas centenas [de tanques]. Não sabíamos de nada além. Hoje existe lá uma fábrica de tanques que durante o turno do dia contava mais de 30.000 trabalhadores e outros 60.000 nos demais turnos trabalhando — em uma única fábrica! Uma fábrica gigantesca! Massas de trabalhadores que, certamente, viviam como animais e...
A Rússia tinha 35.000 tanques em 1941? Esse número inimaginável era várias vezes maior do que todos os tanques possuídos pelos outros países combatentes da Segunda Guerra Mundial até aqueles dias. E o que é mais interessante, antes de os alemães fazerem essa desagradável descoberta, ninguém tinha a vaga idéia de que esses números não só eram possíveis, como eles eram reais. Foi apenas após o bem-sucedido ataque surpresa de 22 de junho de 1941 que esses tanques foram destruídos ou capturados. Tivessem sido usados esses tanques num primeiro ataque contra Hitler, toda a Europa teria se tornado território soviético.
Se qualquer expert hoje disser que sabe qual o verdadeiro poderio militar russo, ou afirmar conhecer as capacidades estratégicas russas, há grandes chances de ele estar errado. E não fiquemos apenas nos números de tanques. Os exércitos de tanques não são mais decisivos. Mísseis são decisivos. Terroristas são decisivos, ou seja, “exércitos terroristas” cercando e atacando os campos petrolíferos no Oriente Médio. Drogas que visam o controle mental são decisivas. Uma nova arma biológica pode vir a ser decisiva.
Além disso, leve em conta a fraqueza estratégica presente do lado americano. A posição estratégica americana tem sido há muito comprometida pela fixação idiota em questões ideológicas tais como aquecimento global, feminismo, direitos homossexuais, multiculturalismo e internacionalismo. Na maneira que se faz política atualmente nos EUA, o politicamente correto vem primeiro e a segurança nacional em segundo. Isso também vale para a economia, área em que o politicamente correto também nos levou à bancarrota. E é esse mesmo país politicamente correto, com sua economia cada vez mais frágil, que se prontificou a confrontar a Rússia após um período de desmantelamento e diminuição do seu próprio poderio militar.
Nos dias recentes tem aparecido uma enxurrada de informações vindas da Ucrânia sobre os planos russos, sobre a complexidade da própria crise e sobre as consequências advindas dos confrontos entre patriotas ucranianos e russos/separatistas. Na segunda-feira houve relatos de uma preparação russa para invadir e capturar Odessa, a importante cidade portuária.
Estariam os russos blefando? Estamos no meio da névoa de guerra, por assim dizer, com um vislumbre aqui e outro ali. Para entender o grande cenário, precisamos admitir três pontos acerca da política russa: (1) O grupo dominante na Rússia age conspirando contra todos, inclusive contra a própria Rússia; (2) A contínua referência que Moscou faz das maquinações ocidentais (i.e., especialmente falando do Reino Unido e dos EUA) representa um tipo de paralelo comum à prática de regimes totalitários; (3) A vil agressão militar contra os povos vizinhos — primeiro a Chechênia, depois a Geórgia, e então as províncias do leste e do sul da Ucrânia — é uma realidade. Esta última agressão entende-se quando percebemos que a independência ucraniana é algo fictício para Moscou. “A Ucrânia não é um país de verdade”, disse Putin. E ele está falando seríssimo. Um dia a França também não será mais um país, assim como a Alemanha.
Acredito que o curso dos eventos é ditado por uma cultura política leninista e estalinista que cresceu à partir dos precedentes czarismo e bolchevismo, e que envolve um baú de truques em que seis elementos são usados para conquistar resultados econômicos e políticos: (1) provocação; (2) divisão e conquista; (3) infiltração em todos os campos inimigos; (4) desinformação; (5) oposição controlada e (6) fraude estratégica. Várias formações especiais e sub-armas ideológicas foram desenvolvidas por Moscou com o fim de ampliar o poder operacional desses seis elementos, sendo eles: crime organizado, tráfico de drogas, terrorismo internacional, movimentos de liberação nacional, islã revolucionário, livre comércio, aquecimento global, feminismo, movimento homossexual, controle de armas e multiculturalismo.
O atual governo de Moscou herdou esses elementos e ferramentas dos tempos soviéticos e até de antes. O Ocidente, por sua vez, não compreende a sofisticação dessas ferramentas e dificilmente consegue compreender o que se pode conquistar com elas. Para citar o testemunho de um ex-oficial de inteligência soviético, Konstantin Preobrazhensky, a KGB manteve um departamento cuja função era unicamente gerenciar os chefes de estado que eram agentes soviéticos.
Não entendemos esse regime agora e nem o entendemos no passado. Uma falsa e distorcida história da Rússia soviética foi produzida para fazer com que esqueçamos os fatos operacionais vitais. Por exemplo, os 35.000 tanques citados por Hitler. A Segunda Guerra Mundial foi a guerra mais mal compreendida de toda a história porque ela foi a primeira guerra a ser travada junto do aparato soviético de fraude em massa. As mentiras ditas sobre essa guerra pelo lado soviético, combinadas com as costumeiras falsificações dos alemães e Aliados, nos deixa diante de uma colagem mitológica e sem a verdadeira noção do porquê o desastre ocorreu ou quem inicialmente esperava lucrar com ele. As falsificações são tão profundas e tão bem sucedidas, que não se pode deixar de pensar que ainda é necessário um esforço para escapar das consequências dessas falsificações ainda hoje.
A Segunda Guerra Mundial ainda é importante para Moscou. Essa guerra cede ao regime um tipo de legitimidade. A guerra estendeu o controle comunista até à Europa central. Ela quebrou a espinha dorsal do Império Britânico e abriu caminho para o politicamente correto.  A guerra também transformou os Estados Unidos em polícia global quando a elite americana não estava culturalmente dotada da competência necessária para desempenhar esse novo papel.
Como observou Diana West em seu livro, nossa aliança militar com a União Soviética deixou os Estados Unidos abertos à ulteriores infiltrações e manipulações de agentes soviéticos. Armas nucleares e outras tecnologias foram roubadas por Moscou. Na China, assim como na Coréia do Norte, instaurou-se uma tomada de poder pelos comunistas. O Japão e a Alemanha, que são barreiras militares naturais contra a expansão soviética, foram militarmente destruídos e precisaram de proteção das forças americanas. O rompimento dos impérios coloniais, como citado acima, abriu um vasto leque de possibilidades para os estragos soviéticos.
Com todas essas questões a se considerar, devemos nos perguntar até que ponto a União Soviética foi a principal instigadora da Segunda Guerra Mundial. Uma prova de valor pode ser encontrada, como dito anteriormente, na conversa de Hitler com Mannerheim. Uma peça chave de evidência, que pode ser confirmada por outras fontes, é o assombroso número de 35.000 tanques! Esse número significa uma preparação bélica que diminui a importância de todas as outras preparações bélicas dos outros países. Uma preparação como essa não é um mero fenômeno dos anos 1930. Ela continuou a ser um aspecto crucial do Estado soviético até sua morte oficial em 1991. E não devemos imaginar, mesmo agora, que essa preparação se suspendeu.
Enquanto a pressão militar russa sobre a Ucrânia se intensifica, enquanto o Estado Islâmico do Iraque e Levante (EI) avança e se fortifica, e enquanto hackers ameaçam bancos americanos como o J.P. Morgan, podemos ver um padrão que se encaixa num projeto maior. Quando descobrimos que um dos principais comandantes do EI nasceu na União Soviética e foi treinado na Rússia, devemos nos perguntar: o que está havendo? Quando lemos que imagina-se que ciberataques aos bancos americanos saíram da Rússia, então devemos parar de acreditar em coincidências.
Há um baú de truques e há vigaristas operando.


Tradução: Leonildo Trombela Junior

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