Abimael Borges
Bacharel em Direito
Sempre que um
crime bárbaro é cometido por um menor, a sociedade se mobiliza em torno do
sentimento de que pelo fato de ser o agressor um menor de idade, não haverá
punição. Embora esse seja um pensamento errôneo, pois a lei tem previsão de
reprimenda para o menor, o clamor social não pode ser totalmente ignorado, afinal,
a lei não deve ser feita pelo Estado para o povo e sim do povo para um Estado.
Aqueles que
menosprezam a opinião pública alegam que ela é desprovida de conhecimento
científico, portanto, sendo incapaz de perceber a totalidade e a verdade dos
fatos, pois além do cunho vulgar de suas concepções, pode ser facilmente
manipulado pela mídia ou pelos interesses ideológicos de certos grupos
influentes na sociedade. Neste sentido, “constata-se a grande instabilidade da
opinião pública sobre o direito. Após um crime ou um escândalo político, muitos
se sentem indignados com o sistema de Justiça e multiplicam os apelos por uma
política repressiva. Passada a comoção, muda a opinião.”1
A despeito dos
ensinamentos da professora Ana Lúcia Sabadell, citados no parágrafo anterior,
não se deve ignorar a opinião pública quando ela ganha força e demonstra clara
insatisfação do povo com a lei. O Instituto Datafolha, da “Folha de S. Paulo”,
constatou que 93% dos paulistanos querem a redução da maioridade penal. Longe
de ver na redução da maioridade penal a solução da violência, admite-se que
esta não é uma opinião tão instável.
O jornalista José
Maria e Silva2 em recente reportagem publicada no jornal Opção de
Goiânia constata que a violência praticada por menores de 18 anos não são fatos
isolados como se pensa, pois só no início de 2013, mais de 40 casos de
homicídio já foram registrados em todo o pais, casos estes que não foram
noticiados pela grande mídia. Fica clara que são os fatos que vem influenciando
a opinião pública, ela vem se convencendo maciçamente de que a legislação
precisa de mudança.
É preciso
admitir que exista uma relação óbvia entre o direito e a opinião pública.
Notamos isso claramente nos ensinamentos de Miranda Rosa:
“A propósito é
interessante abordar a relação existente entre o direito e a opinião pública.
Ambos os fenômenos, como ocorre em geral na sociedade, são condicionantes e
condicionados recíprocos, em virtude da interação que opera entre a norma
jurídica e a opinião pública. (...) As regras de direito moldam, em parte,
(...), a opinião dominante em determinada sociedade. (...) A maneira como são
encaradas, porém, tais regras pelos componentes da opinião grupal, constitui
algo que exige reflexão e pode indicar caminhos legislativos mais apropriados” 3
O papel dos
juristas e legisladores é, nesse diapasão, o de encontrar os meios cabíveis
para adequar a norma aos interesses coletivos dentro da razoabilidade
necessária. Em respeito à opinião pública, as autoridades devem, no mínimo,
sentar-se à mesa dos debates e das reflexões a cerca do tema. Ignorar os
clamores da opinião pública é supor que a sociedade seja incapaz de escolher
democraticamente os seus rumos, pois a sociedade não é ignorante.
Há uma
constante tentativa de mostrar que a sociedade é rude, inculta, ignorante,
capaz de confundir inimputabilidade com impunidade. A sociedade de modo geral
pode até não ter a clareza técnica para conceituar o termo inimputabilidade, no
entanto, a maioria sabe o que quer dizer o termo impunidade, e não confundem
este com aquele.
O Art. 228 da
CF preceitua: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às normas da legislação especial”. Essa é uma garantia constitucional absoluta,
ou seja, até os 18 anos, o adolescente é absolutamente inimputável, isto é, a
ele não pode se atribuir o dolo, que é a vontade de agir criminosamente. Notadamente
esse artigo se refere a matéria penal, pois em termos civis, a partir dos 16
anos já existe capacidade relativa para exercício de alguns atos da vida civil
(Código Civil, Art. 4º).
No dizer de
FIORELLI e MANGINI, “a imputabilidade penal implica que a pessoa entenda a ação
praticada como algo ilícito, ou seja, contrário à ordem jurídica e que possa
agir de acordo com esse entendimento [...]”4. Neste mesmo sentido,
vemos a lição de MIRABETE:
“De acordo com
a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), o homem é um ser inteligente
e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por
isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que
praticou. Essa atribuição é chamada de imputação, de onde provém o termo
imputabilidade, elemento (ou pressuposto) da culpabilidade. Inimputabilidade é,
assim, a aptidão pra ser culpável. [...] Há imputabilidade quando o sujeito é
capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse
entendimento. Só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo grau de
capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuricidade do fato e
também a de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade
de entendimento e de determinação é inimputável, eliminando-se a
culpabilidade”.5
É difícil
compreender como um adolescente, de 16 anos, sadio do ponto de vista
psicológico (mentalmente capaz de decidir entre o certo e o errado), é incapaz
de compreender o caráter ilícito de suas ações. Nota-se que após o crime, a
primeira atitude do adolescente é fugir, buscar se esconder. Pergunta-se: fugir
de quê? Se o caráter ilícito não está claro, de que o adolescente foge? Quando
o menor não foge, procura esconder o corpo do delito, a vítima ou a arma usada no
crime, mas com que objetivo? A sua consciência não está livre de culpa?
A sensação de
impunidade crescente no seio da sociedade se dá pelo evidente desequilíbrio
entre o crime e a pena. O normal seria que aos crimes de maior reprovabilidade
social fossem definidas penas mais rigorosas e quando isso não ocorre, os
valores sociais começam a se distorcerem. Para o adolescente infrator, decidir
entre a vida e a morte de alguém não faz muita diferença. A vida como direito
supremo, valor inestimável, bem maior do ser humano, perde toda essa
significação, pois ao ato de feri-la, tirá-la, coloca-la em grave perigo não
corresponde uma punição equivalente.
Se noutros
tempos a sociedade acreditava ser o menor desprovido de maturidade para
compreender toda a dimensão do ato praticado, hoje a realidade é outra. A
dinâmica social mudou. O mundo mudou. A sociedade mudou. Hoje já não pode se
colocar um jovem de 16 anos ao lado de outro da mesma idade em tempos remotos,
as diferenças serão gritantes.
Margaret
Thatcher. Em 21 de maio de 1988, ao discursar perante a assembléia geral da
Igreja da Escócia, a Dama de Ferro defendeu que “qualquer esquema de arranjos
sociais e econômicos que não se funde na aceitação da responsabilidade
individual não causará nada além de dano.”
Atualmente no
Brasil, uma corrente de pensamento é fortemente propensa a atribuir a culpa
pelo crime a fatores sociais, ao Estado, ao desequilíbrio familiar, mas o
adolescente infrator, de arma em punho, é visto como vítima, e a vítima ou seu
cadáver estirado no chão, é ignorado.
Desta forma se
compreende que há um desgaste considerável na legislação de enfrentamento ao
crime praticado por menores. Partindo do pressuposto que a sociedade é dinâmica
e em constante transformação, não se pode querer que a legislação seja
estática.
BIBLIOGRAFIA
1 SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a
uma leitura externa do direito. 2 ed. São Paulo: RT, 2002.
2 José Maria e Silva – Jornal
Opção – Disponível em < http://www.jornalopcao.com.br/posts/reportagens/criminosos-bancados-pelo-estado
> Acessado em 25/04/2013 às 23:52.
3 ROSA, Felippe Augusto de
Miranda. Sociologia do direito: o
fenômeno jurídico como fato social. 13. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1996.
4 FIORELLI, José Osmir. MAGINI,
Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia
Jurídica. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011. (Pág. 113).
5 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. Volume I, 20ª
ed. São Paulo: Atlas, 2003. (pág. 217).
Comentários
Postar um comentário
Obrigado por comentar este tópico.