Todo dia recebo mensagens de petistas. Muitas procedem de gente boa,
que tenta justificar moralmente seu voto em Dilma sob a alegação de que "corruptos por corruptos eu fico com os que, na minha opinião, estão conduzindo melhor o país".
Tal frase é produto de duas informações falsas. Segundo ela, a) os
números do governo petista seriam favoráveis quando comparados com os do
governo tucano; b) se o governo petista foi uma infindável sucessão de
escândalos, com o alto comando do partido mudando-se para a Papuda,
também no governo FHC houve corrupção, "como todo mundo sabe". Sabe? Veremos.
1) Os números favoráveis do governo petista
É sempre difícil e impreciso comparar situações sociais, políticas e
econômicas em épocas e circunstâncias diversas. Mesmo assim, julgo
importante lembrar que os anos de Lula foram mágicos para o Tesouro
Nacional e para as contas públicas. Naquele período, o mercado chinês
foi às compras com uma voracidade inexcedível em qualquer momento da
história. Centenas de milhões de chineses passaram a demandar grandes
quantidades de quase tudo que o mundo podia oferecer. Nossas commodities
alcançaram preços antes impensáveis.
No governo FHC, o Brasil
precisou vencer uma inflação de 80% ao mês e reverter, com severo ajuste
fiscal, a má fama brasileira no mercado mundial. O governo Lula surfou
na onda chinesa. O estouro dos mercados mundiais de 2008 encontrou o
Brasil bem protegido por um ortopédico colchão de divisas, levando a
gestão petista a julgar desnecessário adequar-se. Enquanto outros países
faziam como a formiga da fábula de Esopo, o PT, deslumbrado pelo que
considerava êxitos seus, brincava de cigarra. Por isso, os oito anos de
Dilma resultaram desastrosos política, moral, econômica e
financeiramente.
O PT gosta de comparar certos dados de 2014 com
os de 2002 (último ano do governo tucano). Omite, porém, o fato de que
nos meses que precederam a vitória e a posse de Lula, o medo tomou conta
dos mercados. A bolsa caiu, o dólar disparou e os preços subiram como
precaução ante o que aconteceria se o PT, ao assumir, fizesse o que,
irresponsavelmente, exigia de seu antecessor. Tal comparação, portanto,
alcança requintes de desonestidade: é o PT cobrando de seu opositor o
mal que ele próprio causou por ter feito uma oposição perversa e
moralmente desonesta.
Os fatos divergem do que o PT gosta de
proclamar: o Brasil deve muito ao governo de FHC. Agora, sob a gestão
petista, apresenta um desempenho muito inferior ao dos países de seu
entorno, que foram mais prudentes nas suas contas. O Brasil de Lula e
Dilma malbaratou os ganhos herdados e se reencontra, agora, com os
velhos males da inflação e da recessão. Ao fim e ao cabo, a gestão
petista foi melhor? Melhor em quê?
2) O alvará de boa conduta passado pelo PT ao PSDB
Pela cartilha petista, escândalo no território inimigo era e continua
sendo coisa que ou existe ou se fabrica. Onde houvesse o mais tênue fio
de fumaça da suspeita o partido era o primeiro a chegar, com um tonel de
gasolina. Apontava o dedo acusador com a suposta autoridade moral de
quem jamais contou dinheiro mal havido. Foi assim que o partido, sem
muito esforço, diga-se, destruiu moralmente os governos Collor e Sarney.
Foi assim que o partido avançou contra o governo FHC, requerendo mais
de duas dezenas de CPIs, sempre com apoio da mesma mídia que o PT hoje
execra. As investidas foram tantas, tão contínuas e violentas que o
prestígio do ex-presidente despencou dos elevados índices a que chegara
nos pleitos que venceu. Quanto de verdade havia naquelas acusações? Não
pergunte isso ao PT. Sabe por quê? Porque o PT concedeu ao PSDB um
atestado de boa conduta.
Com efeito, em 2003, com a posse de Lula, os petistas não mais dependiam das CPIs para investigar coisa alguma. Passavam a dispor de todos os meios para isso. Ministério da Justiça, Controladoria-Geral da União, ABIN, Polícia Federal, Receita Federal, eram apenas alguns dentre os muitos instrumentos disponíveis. Sem esquecer, ainda, gavetas e arquivos de todos os ministérios, repartições e empresas estatais do país. Entretanto, surpresa! Empossado Lula, a inquisição petista deve ter embarcado em Alcântara rumo a algum asteroide distante. Nada foi investigado! O outrora refinado faro não capta mau cheiro sequer quando vem da sola do próprio sapato. Seus sherloques, seus produtores de dossiês, seus assassinos de reputações, que antes pareciam saber de tudo que acontecia na República, foram acometidos de um alheamento, de um autismo em que não apenas ninguém está a par do que acontece na sala ao lado, mas é a própria mão direita a primeira a desconhecer o que a esquerda faz. Sobre essa duplicidade de conduta nada se fala, nada se escreve. Quando não há explicação moralmente aceitável é preferível deixar o dito pelo não dito. E Lula maneja com perfeição a prolongada retórica do silêncio. Se, na oposição, acusavam sem evidências, cometeram crimes de injúria e difamação. Se, no governo, dispunham de meios para investigar e não o fizeram, cometeram crime de prevaricação.
Já cansei de escrever sobre
isso. E só colho silêncio como resposta. É um silêncio que comprova a
tese: o melhor atestado de boa conduta do PSDB é passado pelo PT. O
resto é conversa fiada. Não, não sou tucano. Nem idiota.Com efeito, em 2003, com a posse de Lula, os petistas não mais dependiam das CPIs para investigar coisa alguma. Passavam a dispor de todos os meios para isso. Ministério da Justiça, Controladoria-Geral da União, ABIN, Polícia Federal, Receita Federal, eram apenas alguns dentre os muitos instrumentos disponíveis. Sem esquecer, ainda, gavetas e arquivos de todos os ministérios, repartições e empresas estatais do país. Entretanto, surpresa! Empossado Lula, a inquisição petista deve ter embarcado em Alcântara rumo a algum asteroide distante. Nada foi investigado! O outrora refinado faro não capta mau cheiro sequer quando vem da sola do próprio sapato. Seus sherloques, seus produtores de dossiês, seus assassinos de reputações, que antes pareciam saber de tudo que acontecia na República, foram acometidos de um alheamento, de um autismo em que não apenas ninguém está a par do que acontece na sala ao lado, mas é a própria mão direita a primeira a desconhecer o que a esquerda faz. Sobre essa duplicidade de conduta nada se fala, nada se escreve. Quando não há explicação moralmente aceitável é preferível deixar o dito pelo não dito. E Lula maneja com perfeição a prolongada retórica do silêncio. Se, na oposição, acusavam sem evidências, cometeram crimes de injúria e difamação. Se, no governo, dispunham de meios para investigar e não o fizeram, cometeram crime de prevaricação.
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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
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