Gustavo Ioschpe
Reunião de pais e mestres: é nela que temos de exigir uma escola sem doutrinação marxista para nossos filhos
(Gilberto Tadday/VEJA)
Há algumas semanas, dei uma palestra em um evento sobre educação,
organizado por uma grande empresa e sediado em uma escola. Havia muitos
educadores e alunos na plateia. Compartilhei alguns dos dados
preocupantes sobre o fracasso do nosso sistema educacional. Expus minha
oposição ao plano — agora consagrado em lei — de investirmos 10% do PIB
em educação, notando que o único país que investe nesses patamares é
Cuba. (Não porque aprecie sobremodo a educação, mas porque não tem PIB:
qualquer meia dúzia de vinténs já dá 10% do PIB cubano...)
Depois da minha fala, vieram as perguntas do público. Sempre que há
professores na plateia, estas perguntas se repetem: não é muito
simplista/reducionista/alienado falar apenas em qualidade do ensino
através do domínio dos conhecimentos de linguagem, matemática e ciências
medidos por meio de exames como a Prova Brasil, o Enem e o Pisa? A
função da educação não vai muito além disso? Não seria formar o cidadão
crítico e consciente, engajado na construção de um país mais justo?
Respondi o que sempre respondo nesses casos: a educação brasileira está
tão mal — incapaz até mesmo de alfabetizar seus alunos ou ensinar-lhes
as operações matemáticas básicas — que podemos gerar um consenso
abarcando desde os stalinistas do PSTU até o neoliberal mais
empedernido. Quer você deseje gerar o próximo Che Guevara, quer um
operário preparado apenas para trabalhar numa linha de montagem, ambos
precisam ser alfabetizados e dominar as operações matemáticas básicas.
Então vamos primeiro focar a criação de um sistema educacional que
garanta a 100% de seus alunos o direito de aprender pelo menos essas
competências básicas, e deixemos as discussões ideológicas para outras
áreas e outros momentos. Para mim, isso tudo é de uma obviedade mais do
que ululante.
Qual não foi a minha surpresa quando, ao terminar, fui interpelado
por uma meia dúzia de adolescentes, na faixa dos 15 anos, alunos daquela
escola, dizendo-se indignados com meu desprezo por milênios de
linguagem oral, meu menosprezo pelos analfabetos (“Então o senhor acha
que é preciso ler para ter conhecimento?!”) e minhas críticas ao
“grande” modelo cubano. Sim, sim, tem bastante gente ainda pensando
assim em 2014, não estou brincando! Caiu o Muro de Berlim, e eles ainda
estão sonhando em descer a Sierra Maestra. Você deve estar pensando que
essa escola era da rede pública de alguma biboca do nosso interior
profundo, administrada por uma prefeitura de partido socialista, certo?
Pois é, eis a minha surpresa: essa escola, senhores e senhoras, está no
Rio de Janeiro, na divisa entre a Barra da Tijuca e Jacarepaguá, e —
esta é a melhor parte — pertence ao Sesc. Sim, o Serviço Social do
Comércio, mantido pelos empresários e funcionários das áreas de comércio
e serviço através de impostos cobrados na folha salarial. Longe de ser
exceção, essa dinâmica é a regra: escolas e universidades de entidades
privadas, algumas inclusive com fins lucrativos, estão entupindo o
cérebro de seus alunos com a mais rasteira e ignóbil doutrinação
política marxista. Depois, quando esses alunos se tornam adultos e
passam a comandar o país, os donos e diretores dessas escolas e
universidades passam anos a fio reclamando (com razão) do
intervencionismo estatal e do viés antiempresarial dos líderes... que
eles mesmos formaram!
Não acredito que esse tiro no pé seja intencional. É só miopia ou
visão de curto prazo. Nas universidades, as áreas de pedagogia e
licenciaturas são muito desprestigiadas, e acabam se tornando
incompetentes. Formam maus professores, mas ninguém se importa, porque,
como muito poucos prefeitos ou governadores são cobrados pela qualidade
do ensino que oferecem, mesmo o mau professor não terá muita dificuldade
de se encaixar no mercado, desde que tenha o diploma. Como os cursos
não precisam ter qualidade, o jeito de reter aquele aluno é dizendo-lhe o
que ele gosta de ouvir. De preferência, algo fácil de entender. Como
esse é um público muito idealista, que já vem doutrinado do ensino
médio, e como os pedagogos responsáveis por esses cursos também estão,
na maioria dos casos, imbuídos de um sentido de missão revolucionária, o
que você acha que esses cursos fazem? Trilham o caminho difícil de
transmitir o domínio da didática e da matéria a ser ensinada ou optam
por falar do papel revolucionário do professor, da missão grandiloquente
da formação do cidadão crítico etc.? Sim, eles optam pelo caminho do
ensino raso recheado por profundo doutrinamento. E assim se formam os
professores que formarão as futuras gerações.
Lendo estas linhas você deve estar com um misto de compaixão e
desprezo pelos proprietários de nossas universidades, investindo hoje na
criação do seu opositor de amanhã. Mas eles não são os maiores culpados
pela situação que vivemos. Sabe quem é? Você. Sim, você, que tem
recursos para ler esta revista e, provavelmente, para pôr seu filho em
uma escola particular. Você que faz parte da elite financeira e
intelectual do país, que representa a sua liderança. Pois eu pergunto a
você: qual foi a última vez que leu um livro didático de história ou
geografia adotado pela escola do seu filho? Se você for como a maioria
dos pais, deve fazer muito tempo. Você sabe que seus filhos estão
ouvindo nas escolas diatribes contra o capitalismo e a burguesia
brasileira (leia-se: você) e elogios ao modelo cubano e outros lixos
socialistas? Provavelmente não sabia. É provável que só esteja
preocupado com que seu filho entre em uma boa universidade,
preferencialmente pública, em que o doutrinamento rastaquera praticado
na escola será substituído por uma panfletagem esquerdista travestida de
intelectualidade. Ou talvez até saiba o que está se passando mas não
tenha vontade suficiente para debater com os professores e diretores,
mantidos pela sua mensalidade, o lixo mental que seu filho recebe
diariamente. Você que se preocupa com a saúde física do seu filho a
ponto de obrigá-lo a comer arroz integral e tomar suco verde não dispõe
da mesma energia e entusiasmo para fazer com que seu cérebro seja
preservado dos detritos descarregados diariamente pela escola que você
financia.
Talvez acredite que não importa o que seu filho ouve na escola: você
corrige os desvios de caminho em casa. E pode ser até que tenha razão.
Mas os 83% de alunos que estudam em escolas públicas têm pais cujo nível
de instrução é muitas vezes insuficiente até para ajudar na
alfabetização do filho. Certamente não conseguirão fazer o mesmo nem
saberão que seu filho está sendo vitimado pela historiografia marxista,
ou mesmo que há outras historiografias possíveis.
O resultado das últimas eleições mostra que não é possível construir
um país nos três meses que antecedem a votação. Mostra que, sim, é ótimo
que a nossa elite ganhe muito dinheiro, progrida e tenha condições de
passar um tempo em Miami, Paris ou onde bem lhe aprouver, mas que só
isso não basta: precisamos de uma elite empenhada em alterar a realidade
do país, não em fugir dela. O Brasil está criando pessoas que
desconfiam da democracia, dos valores republicanos, de sua própria
capacidade empreendedora. Se as lideranças do país continuarem se
abstendo da discussão que mais importa — a de valores, de identidade, de
aspirações nacionais —, continuaremos colhendo atraso e frustração. Não
se constrói um país desenvolvido sem elites. Esse debate é indelegável.
Já passou da hora de termos uma escola apolítica, sem doutrinação,
que consiga fazer com que nossos alunos pensem e tenham os instrumentos
para pôr de pé seus sonhos de vida. Não podemos nos furtar desse debate
nem adiá-lo. Ele começa hoje, na sua sala de jantar, na escola de seus
filhos. Aproveite essa liberdade enquanto a temos.
Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/estamos-acabando-com-o-pais
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