Na
última sexta-feira aconteceu um grande tiroteio a poucos metros da
minha casa. Preocupou-me a possibilidade de ser atingido por uma bala
perdida. Minha viúva ficaria absolutamente desamparada, porque não conto
com representação alguma na sociedade civil. Não gozo de privilégios,
pois minha minoria, a dos
homens-brancos-católicos-heterossexuais-estudiosos-trabalhadores é a
mais desorganizada e desmobilizada de que se tem notícia; por
conseguinte, é a mais menosprezada e avacalhada. Mas eu bem mereço (ao
menos é o que depreendo das manifestações das organizações
representantes das supostas minorias e que se pretendem opostas à minha
minoria). Vejamos.
1
- Trato minha noiva como uma princesa, minha mãe como uma rainha e as
demais mulheres como os seres especiais que são. Contudo, nasci homem e,
portanto, sou naturalmente um opressor, digno de pouco mais do que a
morte.
2
- Sou totalmente contra o conceito de divisão de raças. Entendo que há
apenas uma raça, a humana. Todavia, com minha branquidão medonha, já saí
do ventre materno oprimindo, escravizando à distância (no tempo e no
espaço) e com uma enorme dívida histórica.
3
- Se ser branco me garante a herança maldita de pagar por algo
terrível, mas que não cometi (a saber, a escravidão, que, em verdade,
foi perpetrada por brancos, negros, amarelos, pardos, vermelhos etc.
entre si e contra brancos, negros, amarelos, pardos, vermelhos etc.),
por outro lado, ser católico não me garante a herança bendita de ser da
religião que organizou e sistematizou o que ora se conhece por caridade,
hospital, universidade, método científico etc. A cada sinal da cruz,
oprimo muito mais do que os “militantes” do Estado Islâmico o fazem a
cada degola.
4
- Respeitar as opções sexuais de cada um, por entender que se trata de
matéria de foro íntimo, não me exime da culpa de fazer parte desta
sociedade homofóbica. Não basta respeitar, é necessário aplaudir,
divulgar e praticar o homossexualismo. Pelo que tenho visto, é
impossível ser heterossexual sem ser homofóbico – “O quê!? Você não tem
desejo de dar o bumbum? HOMOFÓBICO!”. Dia desses, um hétero-barbeiro
atravessou uma preferencial e bateu no homo-carro de um gay – HOMOFOBIA!
Noutro dia, um gay que só estudara até o ensino médio perdeu sua
homo-vaga de CEO em uma multinacional para um hétero-doutor em gestão –
HOMOFOBIA!! A cada ano, dezenas de gays são vitimadas por
hétero-doenças, como o câncer – HOMOFOBIA!!!
5
- Porque vou à universidade para estudar e, ABSURDO!, estudo também por
conta própria, sou um terrível opressor da gente linda e do bem que
compõe o movimento estudantil – pessoas que, dos ambientes escolares,
conhecem apenas a sala de matrícula, o bar e os matagais (onde, a
despeito de haver fumaça, não há fogo).
6
- Por fim, no labor, oprimo em duas frentes. Como trabalhador
assalariado, oprimo sindicalistas e todo o corpo do grevismo, digo, do
funcionalismo público, pouco afeitos à labuta. Como autônomo,
empreendedor, oprimo todos aqueles que entendem que o Estado deve prover
seu sustento e odeiam empreendedores – ignorando que são estes (os
empreendedores) e aqueles (os trabalhadores cumpridores) que sustentam o
Estado, os sindicalistas, os “estudantes” profissionais e toda a gama
de privilégios de que dispõem os grupos de pressão, travestidos de
defensores de supostas minorias.
Está
claro agora porque eu deveria morrer no mais absoluto abandono? Se um
projétil acidentalmente me atingisse, não irromperiam grandes passeatas,
viaturas não seriam viradas, cidades não seriam destruídas e lojas não
seriam saqueadas por um mundo melhor. Minha família choraria sozinha,
sem ter uma ONG ou um “coletivo democrático e popular” para chamar de
seu. Afinal, eu seria apensa mais um dentre os 60 mil brasileiros mortos
pela bandidagem no ano. Não teria o mesmo glamour de morrer na condição
de gay, por exemplo. Pois, bem sabemos, não importa se o gay foi morto
por um seu companheiro destemperado, por aquela mesma bandidagem que não
está nem aí para opção sexual ou por uma inexorável doença; quem
acompanha o noticiário sabe que tudo isso aí é homofobia e merece grande
comoção. Se um meliante me matasse, ele seria tão-somente uma pobre
vítima do sistema cometendo erros de que não tem culpa. Se um meliante
mata um gay, bom, aí ele é alçado à condição de homofóbico, machista,
medieval, opressor do capital especulativo internacional e Torquemada da
socialização das rabetas.
Ainda
bem que nenhuma bala revolucionária me vitimou e eu posso seguir por
aí, dos píncaros de meu isolamento, nesta minha minoria ignorada, a
minoria do indivíduo, oprimindo as categorias desamparadas e
vulneráveis, que contam apenas com leis especiais, com o apoio da mídia
nacional e com repasses estatais milionários para suas utilíssimas
causas (Afinal, que é a guerra civil em que vivemos ante piadas com gays
e gritos racistas em estádios de futebol?).
* * *
PS padrão para este tipo de texto:
à incansável patrulha, é sempre importante esclarecer que não tenho
absolutamente nada contra os indivíduos que compõem as [supostas]
minorias citadas ou tangenciadas neste texto. Meu problema é com o
ativismo oportunista, que caça vantagens em função de preferências que
deveriam limitar-se à vida íntima das pessoas (no caso das “minorias
sexuais” [sic], por exemplo) e de características físicas e naturais que
não determinam nada per se (como a cor da pele ou o sexo do indivíduo).
Para mim e para você que concorda que 1 + 1 = 2, oferecer vantagens
competitivas a alguém em função de sua cor de pele é pressupor que quem
possui essa cor de pele é menos capaz do que outros que possuem outras
cores de pele. Para os militantes do outro mundo possível, em que
desavenças se resolvem no paredão ou na Sibéria, as cotas raciais são o
ápice da bondade humana, uma reparação histórica inegociável (como se
não fossem negros os governantes africanos que capturavam seus
conterrâneos e vendiam aos europeus e como se os brancos europeus não
tivessem sido escravizados oito séculos antes por hordas islâmicas,
repletas de negros do Norte da África).
Pressões
grupais não são menos insensatas que disputas de torcidas de futebol
organizadas, nas quais a "vitória" é de quem grita mais alto. É a guerra
de todos contra todos, resultado direto da confusão social engendrada
por doutrinas esquerdistas, que não enxergam seres humanos como seres
humanos, mas como classes, gêneros, cores, religiões etc., que devem
digladiar-se e levar adiante a dialética do ressentimento marxista.
No fim, quem perde é sempre a principal minoria existente: o indivíduo (de qualquer cor, raça [sic], sexo, etnia etc.).
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