por Paulo Roberto Almeida*
Os companheiros no poder praticaram o que eles mesmos designaram como
sendo uma “diplomacia ativa, altiva e soberana”. Sua primeira tarefa, em
2003, foi denegrir a anterior, considerada – como, de resto, as demais
políticas – como manchada pela submissão ao império, pela adesão
voluntária às regras perversas do “Consenso de Washington” e por vários
outros pecados, no contexto da “herança maldita” que teriam recebido do
governo precedente. Eles passaram a orientar a nova política externa por
outros critérios: alianças estratégicas com supostas potências
anti-hegemônicas, sonhos de “mudar as relações de força no mundo”,
construir uma “nova geografia do comércio internacional” e manter
relações preferenciais com os países do Sul, numa pouco disfarçada
oposição ideológica ao império e às grandes potências hegemônicas.
Qual foi o resultado dessa agenda ativíssima? Certamente a ampliação da
presença brasileira no mundo, nem sempre com os resultados esperados,
mas sempre em benefício de alguns parceiros privilegiados pelos
companheiros: alguns regimes deploráveis na região, e outros aliados
pouco democráticos alhures. Nenhuma das principais prioridades – reforço
do Mercosul, obtenção de uma cadeira permanente no Conselho de
Segurança, conclusão exitosa da Rodada Doha – foi alcançada, mas é claro
que nem todas dependiam do Brasil. A que dependia, o Mercosul,
retrocedeu de bloco comercial a mero agrupamento político em pouco
tempo, e sua ampliação se fez às custas de seus fundamentos. Enfim, se
poderia continuar por vários outros fracassos companheiros, mas agora a
hora é de olhar para a frente e ver o que poderia ser feito para
corrigir alguns dos equívocos dos últimos três governos na frente
externa.
Em primeiro lugar, caberia restabelecer a dignidade e a
credibilidade da política externa e da diplomacia profissional, afetadas
por uma formidável confusão com a – na verdade submissão à – diplomacia
partidária, um ajuntamento anacrônico de velhos mitos esquerdistas e de
ações e iniciativas que se desenvolveram à margem, até contra, antigas
(mas válidas) tradições do Itamaraty: não intervenção nos assuntos
internos dos outros Estados, observância aos tratados, condução técnica
dos temas da agenda e, sobretudo, avaliação isenta dos interesses
nacionais em oposição a qualquer tratamento ideológico das relações
exteriores. Em segundo lugar, corrigir a miopia sulista, por uma
política externa multidirecional e centrada em objetivos concretos, não
em ilusões anti-hegemônicas, que aliás não são correspondidas por esses
supostos aliados estratégicos. Em terceiro lugar, honrar alguns
princípios constitucionais brasileiros, que parece terem sido esquecidos
nos últimos tempos, como a adesão integral aos valores da democracia e
dos direitos humanos e a rejeição absoluta do terrorismo como arma
política (e aqui estamos falando da própria região, não de
fundamentalismos médio-orientais).
Mesmo quando se admite que a
diplomacia ativa foi importante para colocar o Brasil no mapa do mundo –
e os 27 doutorados honoris causa concedidos ao chefe da pirotecnia
diplomática estão aí para provar isso mesmo – deve-se reconhecer que a
política econômica externa dos companheiros contribuiu ativamente para
retrair o Brasil no índice das liberdades econômicas, fazê-lo retroceder
nos rankings de competitividade internacional e aumentar suas
fragilidades comerciais, com uma queda na pauta exportadora manufaturada
e uma dependência quase colonial do novo primeiro parceiro externo. Uma
diplomacia econômica focada em resultados concretos reduziria o absurdo
protecionismo comercial, trabalharia para reinserir o Brasil nas
grandes redes globais de integração produtiva – abandonando o atual
retorno ao stalinismo industrial da era militar – e redefiniria
completamente nossa política comercial externa, a começar pelo Mercosul e
demais esquemas de integração regional. O tratado do Mercosul, não
custa lembrar, começa por proclamar objetivos de liberalização comercial
e de abertura econômica, e não foi exatamente concebido para criar
novas utopias sociais.
Em relação a certos sonhos de grandeza, é
muito provável que a sociedade brasileira não veja na obtenção de uma
cadeira permanente no Conselho de Segurança uma alta prioridade
nacional, a despeito de esse tema provocar orgasmos em alguns
diplomatas. As grandes “alianças estratégicas” com certos parceiros
escolhidos a dedo também precisariam ser revistas, em função
estritamente do interesse nacional, não de um desejo pouco secreto de
enfrentar a “arrogância imperial”, disfarçada como uma tentativa de
“democratizar as relações internacionais”. Algumas iniciativas de
escassa racionalidade econômica – o Banco do Sul, cujo parto vem sendo
feito a fórceps, e o Banco dos Brics, um grande negócio para os chineses
– teriam igualmente de ser medidas sob o diapasão de sua utilidade
efetiva.
No plano do relacionamento bilateral, há muito o que
mudar, dada a natural propensão dos companheiros por certas preferências
políticas que serviam mais às idiossincrasias ideológicas dos que
estavam no poder do que a uma agenda equilibrada moldada pelo
profissionalismo do Itamaraty. Um exame cuidadoso do perfil geográfico
da diplomacia brasileira poderá ajudar nessa tarefa.
Por fim,
caberia restabelecer de verdade a soberania nacional, deixando, por
exemplo, de servir a governos estrangeiros de duvidosa reputação
democrática com empréstimos secretos e outros mimos financeiros
retirados do orçamento público. O Senado deve recuperar suas
prerrogativas institucionais, voltando a examinar com todo o cuidado
operações que envolvam recursos nacionais – como um inacreditável Fundo
Soberano que jamais deveria ter existido –, como, aliás, determinado na
Constituição.
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* Diplomata e professor universitáriohttp://diplomatizzando.blogspot.com
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