Nosso
voto é uma opção pela democracia, rejeição a um esquema de poder que
está aparelhando o Estado, gerando totalitarismo. Apenas isso.
Realismo versus idealismoEntre
o real e o ideal há um hiato. O homem sensato o percebe, e sabe ater-se
à realidade, enquanto busca transformá-la, transformando-se ele mesmo
neste processo.
Entretanto,
neste debate eleitoral, certo grupo bem-intencionado tem propalado sua
própria perplexidade mediante um tipo de proselitismo pela abstenção,
alegando como argumento o socialismo dos candidatos à presidência da república, favorecendo colateralmente a eleição da candidata governista.
Da teoria à práticaNão
percebem estes que seu argumento, apesar de parcialmente verdadeiro, é
fundamentalmente teórico. Com efeito, a ética e a política são ciências
práticas, e servem-se de uma metodologia prática referenciada por uma
medida distinta de bem: a ética regula-se pelo bem do indivíduo e a
política pelo bem comum.
Prudência e circunspeçãoCada
medida de bem engendra um tipo de prudência específico, que dispõe
arquitetonicamente o agente para a sua consecução, ordenando suas ações
para aquele fim: o bem pessoal gera a prudência pessoal; o bem comum, a
prudência de governo. Num regime democrático, os cidadãos são requeridos
para o exercício de uma certa medida da prudência de governo no período
eleitoral.
Uma das partes quase integrais da prudência é a circunspeção.
“Visto
que a prudência trata das ações particulares em que concorrem muitas
coisas, acontece que algo que em si mesmo é bom e adequado ao fim,
torna-se mal e inadequado a ele por algum elemento que concorra. (…) Por
isso, a prudência necessita da circunspeção, para que o homem compare o
que se ordena ao fim com as circunstâncias”.
(S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, Ia-IIæ, q. 49, a. 7, respondeo).
(S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, Ia-IIæ, q. 49, a. 7, respondeo).
Em
outras palavras, o doutor angélico nos está instruindo para o fato de
que as ações humanas são complexas, e precisam lidar com a contingência
das circunstâncias para que seja consequente com o fim. Se isto vale
para todos os tipos de prudência, quanto mais para a política, que
precisa lidar com a imensa complexidade das escolhas pessoais e
partidárias.
Saindo do simplismo puritanoA
partir destes pressupostos, percebe-se mais claramente o simplismo
puritano e suicida desta perplexidade supostamente mais ortodoxa. Alegar
o socialismo dos dois candidatos iguala-os a partir de um coeficiente
teórico a ser atuado com perspectivas práticas consideravelmente
diversas, para não dizer contraditórias.
Antes,
porém, de considerá-lo, queria apenas esclarecer uma questão canônica,
ultimamente muito relevada: a da excomunhão dos comunistas e de seus
cúmplices.
O problema da excomunhãoAdvogando a excomunhão latæ sententiæ, algumas pessoas têm interpretado conjuntamente o Decreto contra o comunismo (Cf. Denzinger,
3865) e o cânon 1364, do atual Código de Direito Canônico, sem levarem
em conta a correta interpretação deste último emitida numa nota de
13/03/2006, que estabelece as condições para se dar o ato formal de
defecção da Igreja, com sua consequente pena, a excomunhão automática.
Neste,
o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos diz ser necessário
que “o ato seja manifestado ao interessado de forma escrita, diante da
autoridade competente da Igreja Católica” e, “por conseguinte, somente a
coincidência dos dois elementos – o aspecto teológico do ato interior e
a sua manifestação do modo como aqui se definiu – constitui o actus formalis defectionis ab Ecclesia catholica, com as penas canônicas correspondentes (cf. cân. 1364, §1)” (Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Actus formalis defectionis ab Ecclesia catholica,
n. 5). Sendo assim, se a lei foi “modificada depois de cometido o
delito, deve-se aplicar a lei mais favorável ao réu” (Código de Direito
Canônico, c. 1313, § 1).
Em
outras palavras, para se dar o delito de apostasia, o batizado
precisaria escrever um ato formal de abandono da fé diante da autoridade
eclesiástica competente (o bispo, o vigário geral ou o próprio pároco)
e, deste modo, estaria excomungado automaticamente. Caso não cumpra
estas formalidades, poderia até cometer o pecado de apostasia, do qual precisaria emendar-se pela confissão sacramental e reparação dos eventuais escândalos, mas não incorreria no delito nem na pena canônica.
Neste sentido, o Decreto contra o Comunismo permanece válido em seus
princípios doutrinais, mas sua aplicação jurídico-pastoral foi mais
especificamente precisada pelo supremo legislador, visto terem-se
alterado as circunstâncias de sua aplicação.
Desta forma, os que alardeiam que os que votarem nesta eleição estarão excomungados latæ sententiæ
equivocam-se enormemente por extrapolarem a interpretação autêntica das
atuais leis eclesiásticas, emanadas pela competente autoridade da
Igreja.
Resolvida esta questão, volto à anterior, a da circunspeção.
Ditadura versus democraciaNo
quadro atual, não temos opções realmente boas. Como tenho dito em
diferentes ocasiões, nós já perdemos! A questão aqui é escolher
racionalmente a opção menos danosa ao bem comum.
Antonio
Paim, um egresso do partido comunista, escreveu que o PT, “chegando ao
centro do poder, pelo voto, sob o eufemismo de criar uma ‘democracia
popular’ - por sinal o mesmo nome adotado pelos satélites da União
Soviética - cuidará de alterar, naquela direção, o sistema
representativo que o País tem procurado restabelecer no período
considerado” (Antonio Paim, O socialismo Brasileiro, Instituto Teotônio Vilela, Brasília 2009, p. 114). A
mudança do regime já aconteceu, sob a inadvertência da população, pela
instauração dos conselhor populares mediante o Decreto 8243/2014, da
presidente Dilma Rouseff, que insere na administração pública federal
conselhos não eleitos pelo sufrágio popular.
Portanto,
nosso voto é uma opção pela democracia, rejeição a um esquema de poder
que está aparelhando o Estado, gerando totalitarismo. Apenas isso.
Contudo,
os que ficam flutuando nas nuvens do idealismo, murmurando a
inexistência de um candidato conservador e escudando-se no comodismo de
anularem seu voto precisam saber que sua omissão favorecerá o
fortalecimento do comunismo no Brasil, e isto em ritmo acelerado. A
oportunidade que temos, certamente não nos possibilitará parar a máquina
destruidora da nação, mas pelo menos poderemos diminuir a sua marcha, e
isto é responsabilidade nossa.
O exemplo dos MacabeusA
Escritura relata um episódio similar. Durante a invasão helênica, um
grupo de judeus morreu por não querer lutar em dia de sábado. “‘Não
sairemos, responderam aqueles, e não cumpriremos a ordem do rei,
profanando o dia de sábado’. Então os perseguidores os atacaram sem
demora. Mas eles não revidaram, nem uma pedra sequer lhes arremessaram,
nem mesmo cuidaram de obstruir seus esconderijos. Apenas disseram:
‘Morramos todos em nossa retidão. O céu e a terra são testemunhas de que
nos matais injustamente’. Assim mesmo aqueles os atacaram, em operação
de guerra, em dia de sábado. E pereceram eles, suas mulheres, seus
filhos e seu gado, ao todo cerca de mil pessoas. Quando Matatias e seus
companheiros souberam disso, choraram-nos amargamente. Disseram, porém,
uns aos outros: ‘Se todos fizermos como esses nossos irmãos, se não
lutarmos contra os pagãos por nossa vida e por nossas tradições, eles em
breve nos exterminarão da terra!’ Tomaram, pois, naquele mesmo dia,
esta decisão: ‘Todo aquele que vier atacar-nos em dia de sábado, nós o
enfrentaremos abertamente. Assim não morreremos todos, como morreram
nossos irmãos em seu esconderijo” (1Mac 2,34-41).
O
bom senso de Matatias e seus companheiros tirou-os das nuvens, do
idealismo romântico e suicida de quem usa a lei divina como se esta
conspirasse contra si mesma. Entre o martírio e o suicídio passivo há
uma grande diferença.
Deus
não se contradiz, e é por isso que São Tomás ensina que “incumbe ao
sábio considerar a causa suprema pela qual julga certissimamente tudo”
(S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, IIa-IIæ, q. 45, a. 1, respondeo).
Lutando pelo direito de lutarNo
mesmo idealismo delirante incorrem alguns anti-abortistas que apoiam o
PT simplesmente alegando como argumento favorável ao suposto não
abortismo de seu partido a sua própria pertença a este. Comportam-se
eles como jogadores de futebol que jogassem pelo Brasil, mas dentro da
seleção argentina.
Enfim,
um pouco de realismo nos levaria a entender que não é possível
omitir-se nestas eleições sem cooperar com o avanço da ditadura petista,
às custas do sacrifício das famílias e das vidas não-nascidas. Seria
lamentável que o descobríssemos, porém, apenas quando a desgraça estiver
consumada. Com efeito, não estamos apoiando uma candidatura por ser
esta confiável, estamos apenas lutando pelo direito de continuar a
lutar.
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