por Felipe Moura Brasil
O escritor não é um isolado.
O escritor não é um isolado.
Aprendi com Lavelle: “Não se deve levar uma vida à parte. Ela mais
cega que esclarece.” Com Sertillanges: “Se a solidão vivifica, o
isolamento paralisa e esteriliza.” Com Victor Hugo: “À força de ser
alma, cessa-se de ser homem.” Com Schopenhauer: “Mas é este o caso de
muitos eruditos: leram até ficarem burros.” Com Goethe: “O talento se
aprimora na solidão, o caráter na agitação do mundo.” Com Montaigne: “Os
próprios jogos e o exercício serão uma boa parte do estudo: a corrida, a
luta, a música, a dança, a caça, o manejo dos cavalos e das armas.”
Aprendi também que, se eu disser essas coisas a um brasileiro, ele
responderá: “Não falei? Você também precisa sair, se divertir, curtir a
vida!”, sem jamais atinar que, por sua vez, ele precisa buscar
conhecimento, aprimorar talentos, vivificar-se. Bernard Lonergan
escreveu em seu “Insight”: “Há, de fato, bem lá no fundo de todos nós um
impulso para conhecer, compreender, ver o porquê, descobrir a razão,
encontrar a causa, explicar, que desponta quando o ruído dos outros
apetites se aquieta.” Mas, no Brasil, o ruído dos outros apetites não se
aquieta jamais.
“Sexo, sexo, sexo. Na nossa história não existe mais nada. O Brasil
será sempre e só isso: o lugar onde o homem é livre para se comportar
como ‘um bode em um cercado cheio de cabras, sem ideais, sem
preocupações estéticas, políticas, intelectuais e artísticas’”, escreveu
Diogo Mainardi, citando um trecho do “Retrato do Brasil”, de Paulo
Prado, ensaio fundamental sobre a tristeza brasileira. Um bode
“proletarium”, completo eu, na acepção romana – distinta de “pobre” ou
“trabalhador” – de que fala Russell Kirk: um homem que não contribui à
comunidade política com nada, a não ser com a própria prole e “vive, tal
como os cães, dia após dia, sem refletir”.
Schopenhauer, inclusive, julgava a ignorância degradante somente
quando associada à riqueza, aliviando a barra dos pobres, cujos
trabalhos ocupavam o pensamento: “os ricos que são ignorantes vivem
apenas em função de seus prazeres e se assemelham ao gado, como se pode
verificar diariamente”: “devem ser repreendidos por não usarem sua
riqueza e ócio para aquilo que lhes conferiria o maior valor”. Hoje nem é
preciso sair do isolamento para constatar a vida de gado da elite
brasileira, seja jovem ou adulta. Basta dar uma olhadinha no Instagram.
Não quero, com isso, dizer que o cidadão comum precisa se tornar um
intelectual e vice-versa. Como define Lavelle: “Não se há de esquecer
que os homens não têm a mesma vocação, que uns têm por missão aumentar
esta luz interior que esclarece a consciência de toda a humanidade, e os
outros utilizar e multiplicar os recursos do universo material em
proveito da vida do corpo. Mas nem uns nem os outros estão dispensados
de se prestar serviços mútuos.” Se os escritores se isolam da realidade
da vida, a luz que esclarece logo se apaga. Se o cidadão comum se
entorpece com a diversão obsessiva, os recursos materiais escasseiam e
inflacionam.
Enquanto houver uma incomunicabilidade entre uns e outros, que os
impeça de se prestarem serviços mútuos, a busca do sentido e da
realização pessoal será sempre derrotada pela do sexo e do dinheiro, e o
Brasil será sempre e só isso: uma porta aberta ao comunismo.
Isto é: à miséria espalhada no breu.
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