Bate Papo Cultural com Cristiana Alves

Fotos: arquivo pessoal da entrevistada.

Ela é mestranda em Crítica Cultural pela UNEB, Campus II (2009-2011) estuda a produção literária do Junco/ Sátiro Dias. Graduada em Letras Vernáculas pela mesma universidade (2000), na qual também cursou a Especialização em Estudos Culturais (2001). Atualmente, leciona Língua Portuguesa e Literaturas, no Colégio Democrático Estadual Professor Edgard Santos (CEDEPS) em Sátiro Dias- BA. Também atua na área cultural, em prol do território Litoral Norte/ Agreste Baiano. Em 2010 foi eleita Secretária de Comunicação da Câmara Territorial de Cultura (2010/ 2012). Neste âmbito desenvolve atividades culturais, principalmente, nas cidades de Sátiro Dias e Alagoinhas-BA. Como escritora suas principais publicações são: Coração a Esmo, um livro de poesias românticas, publicado pela Taba Editorial, lançado em Sátiro Dias, no ano de 2007. Durante a Bienal do Livro da Bahia, em 2009, lançou Sabor de uma Lembrança, um livro de contos publicado pela Quártica Editora. E o mais recente, Tatuagem, um livro de poesias, que chegou ao público leitor durante o Fórum Nacional de Critica Cultural 2, na UNEB Campus II- Alagoinhas, em 2010. No campo da Crítica Cultural tem como um dos principais artigos publicados, “Carta ao Bispo: Ondas do cotidiano num transe de morte”, contido no livro Espaço Nacional, fronteiras e deslocamentos na obra de Antônio Torres, organizado por Cláudio Cledson Novaes e Roberto Henrique .Seidel. Ela é Cristiana Alves, e é com essa figura ilustre que teremos nosso papo cultural da semana:

Abimael Borges – Cristiana Alves, você acaba de lançar o seu terceiro livro, qual deles é mais especial para você e por quê?

Cristiana Alves - Os três são importantes e especiais por motivos diferentes, porém eu diria que foi um processo de amadurecimento. Assim, em Tatuagem, o leitor perceberá uma poeta mais solta, com um estilo ao escrever mais definido, melhor elaborado esteticamente, mais envolvente, entretanto, isso não diminui o brio de Coração a Esmo e Sabor de uma lembrança. Eu diria que são três crias diferentes, três sabores literários especiais, que valem a pena serem degustados.

AB – Quais as particularidades de Tatuagem que o diverge dos outros?

CA – Tatuagem teve uma seleção de poemas pensada como arte de seduzir. O processo de construção envolveu pessoas e artistas do meu convívio pessoal. Nele, as brincadeiras que faço com o leitor na apresentação revelam uma poeta com autonomia para revelar-se, despir-se, sem medo de ser criticada. Esta constatação fica visível nos comentários de orelha e contracapa, feitos pelos escritores Galdy Galdino, Antônio Torres e Juan Andrueza, bem como, pelo meu amigo pessoal, Washington Flávio Carvalho. Como complemento na contracapa, provoco o leitor a mergulhar no universo de Tatuagem ao escrever, “Por tudo que vivemos e sentimos...” Deixo explícito a cada leitor o convite de mergulhar em suas emoções e sentir na pele como tatuagem as sensações da leitura. Lembrando ainda, que a produção da capa é um convite a leitura; feita com artistas de Sátiro Dias o design da capa é de Abimael Borges, fotografia de Carine Luelle, modelo da capa Deise Alves, fotografia da contracapa Evanez Araujo. Já a revisão e a editoração ficaram a encargo da Quártica Editora.

AB – Você diria que cada livro reflete um momento de sua vida?

CA – Todos foram escritos em momentos especiais, eu diria que foram três presentes que eu recebi, quando eu precisei, um não é mais importante que o outro. Foram três construções necessárias em minha vida pessoal e profissional. Sendo o cotidiano, a vida, o maior palco da existência humana; posso afirmar que, do hipertexto colhi matéria para compor os três livros; com auxílio da imaginação e recursos literários estes ganharam corpo e chegaram ao formato editado que, relancei ao hipertexto a fim de retroalimentá-lo enquanto espaço cultural. Com Coração a Esmo, o leitor pode perceber uma poeta mais tímida, com receio de usar a liberdade poética para “arrombar” os ditames cotidianos que fazem de certos papéis, próprios do feminino; nele uma mulher com traços românticos, que passeia pelo eu lírico masculino e feminino apenas brincando com o leitor; o primeiro exercício. Em Sabor de uma lembrança, uma brincadeira diferente, tentar expressar pensamentos no estilo que, os leitores reivindicavam, a prosa. Talvez pela tradição de prosadores do Junco ou Sátiro Dias, era constante a cobrança: “Por que poesias? Escreve um livro de prosa! Um romance...” Assim, poesia e prosa, short story, prosa poética, histórias com um eu - lírico sempre presente, lidando com os seus sentimentos, a forma de dizer ao mundo exterior o que a escritora “sente”. Acrescentando, algo visto como piegas, porém com linguagem envolvente: “Sentir é bom, ainda há lugar para os sentimentos”. Por fim, Tatuagem é o mais recente lançamento, nele o pulsar da vida, a descoberta do prazer de sentir amor, paixão, dor; o mistério de ganhar e perder, de se envolver se despir em quereres, o desafio de provar do vinho e do fel das relações cotidianas, sem se amargurar, fazendo do instante da escrita e da leitura um “entorpecente” lícito com o qual se chega ao delírio.

Cordelista Olívio recebe autógrafo.
AB – Qual a principal mensagem que você deseja passar com o livro Tatuagem?

CA – Parafraseando Cecília Meireles para responder: “O instante existe, não sou alegre nem triste, sou poeta...” O que eu diria ao leitor? Viva porque o momento existe. Não deixe de viver! Nunca diga: “Por tudo que sentimos e não vivemos...” Faça o conjunto de instantes fazerem a vida acontecer.

AB – O que você julga essencial para a inspiração do poeta?

CA – Sentir! Fingir sentir é estética, é escrita, mas sentir impulso para escrever, está envolvida pela escrita, apaixonada por cada palavra que vou deitando sobre o papel é o que dá “essência” às minhas escrituras. As palavras devem expressar vida, ter pulsão, como o coração ao bombardear o sangue. Não sou uma poeta romântica, como alguns podem pensar, escrever para mim e muito mais que “inspiração”, envolve estética, reflexão, sentimento e posicionamento, algo muito vivo, latente. O que há de especial em escrever é ser humano, é sentir a dor e a alegria de ser o que é, ir além, colocar-se no lugar do outro; como um ator, imaginar-se escrevendo um texto para o outro interpretar. Escrever é um pulsão vital, como meu cérebro pensa, como meu corpo sente, como meus olhos vêem, os ouvidos ouvem, a pela sente, o paladar prova, o olfato se impregna de ar... Eu preciso escrever para viver ou eu preciso escrever para viver. É mais que uma paixão, é uma necessidade. Quando ouço narrativas, quando leio, quando escrevo, viajo; já a poesia é “entorpecente” para mim, passa a dor, alivia a ansiedade, dá prazer, me faz “gozar”.

AB – Seu novo livro, Tatuagem, tem um tom de sensualidade. Qual a relação da sensualidade com a sua literatura?

CA – A literatura é a arte de seduzir o leitor, a sensualidade é uma forma de sedução, até os mais cautos, os mais prudentes, não poderão negar a sensualidade na literatura, mesmo em tempos remotos. Temos histórias que remontam esta íntima relação da literatura com a sensualidade: Helena e Pares, Abelardo e Eloise, o clássico Romeu e Julieta; o bíblico, Salomão, que inicia Cânticos dos Cânticos ou Cantares, como preferir o leitor, com pura sedução na linguagem: “Ah! Beija-me com os beijos de tua boca! Porque os teus amores são mais deliciosos que o vinho, e suave a fragrância de teus perfumes;”. Assim eu diria, o resto é moralismo, muitas vezes, falso moralismo. Literatura é sensualidade, rompem as fronteiras do tempo e envolve leitores de diferentes culturas, é só pensar em Kama Sutra, de Vatsyayana ao colocar: “Quando uma mulher contempla o rosto de seu amante adormecido e beija-o para mostrar-lhe sua intenção ou desejo, temos o ‘beijo que excita o amor”; ou em a Arte de Amar, de Ovídio, “Beije suas lágrimas e dê-lhe os prazeres de Vênus”, sem perder de vista Salomão, “Enquanto o rei descansa em seu divã, meu nardo exala o seu perfume; meu bem-amado é para mim um saquitel de mirra, que repousa entre meus seios; meu bem- amado é para mim um cacho de uvas nas vinhas de Engadi.” Assim, como não falar em literatura e sensualidade?

AB – Fala-se que há uma certa banalização do sexo na música popular, mas sabemos que o sexo, a sensualidade, sempre estiveram presentes na literatura através de personagens polêmicas como em Dona Flor e Seus Dois Maridos, do grande Jorge Amado, ou em Capitu, de Machado de Assis e tantos outros. Até que ponto a arte interage com a sexualidade sem se tornar ofensiva aos bons costumes?

CA – Até o ponto no qual a hipocrisia humana não ditar regras de moral. Particularmente, incomoda-me a linguagem com a qual, muitas músicas, chegam até a população, a forma como o conteúdo é transmitido. O que é vulgar para mim é a linguagem, mas falar disso é mais complexo do que se imagina, porque envolve aspectos culturais, econômicos e sociais. Assim, falarei sobre o sexo na literatura e na música como expressões artísticas que remontam a vida. Em princípio, imagino que os adultos, estejam aptos a optar pelo modo de conduzem suas vidas sexuais, sendo que sexo é atividade normal e saudável entre estes; nesta fala não analiso juízo de valor e ditames culturais. Esta colocação é para justificar a visão que possuo sobre as abordagens do sexo na literatura e na música; penso que são recriações artísticas dos contextos vivenciados pela sociedade contemporânea em diferentes espaços. Assim sendo, cada pessoa pode ou não se identificar com a forma como o sexo é colocado, sendo para elas algo que causa prazer ou algo que causa repulsa. Quando a literatura ou a música abordam o sexo num contexto que apresenta uma construção artística que traz em seu cerne afetividade, sensualidade, romantismo é mais facilmente aceito pelos leitores, pois são menos ofensivos aos seus valores. Precisamos lembrar que, o sexo foi colocado por muito tempo como algo pecaminoso, feio e proibido, nem por isso as pessoas deixaram de praticá-lo. Assim, eu diria que a visão de muitos leitores sobre os textos sensuais está repleta de seus preceitos, de ditames de conduta e moral, porém isso não é determinante o juízo de valores; há quem goste e quem rejeite esta inserção de abordagens que trazem o sexo de forma explícita.

AB – Outro dia fiz essa pergunta ao escritor Luiz Eudes e gostaria de saber sua opinião sobre o assunto: é muito pouco o gosto pela literatura por parte da maioria das pessoas no Brasil. É um desafio muito grande escrever dentro da perspectiva de ser pouco lida?

CA – Com sua pergunta vou falar do processo de criação, circulação e recepção do livro no Brasil e, mais precisamente na microrregião de Alagoinhas. Em todo o país este translado entre a produção e a recepção de obras literárias é complicado, isso se justifica pelo fato do livro no Brasil, por muito tempo, ter sido um objeto que indicava status social. Quem podia ler no Brasil colônia? Quem tinha acesso aos livros nos primeiros anos da República? E com o passar dos anos como foi ocorrendo a democratização do livro e da leitura no Brasil? Só nos últimos anos passamos a ter o Plano Nacional do Livro e da Leitura, a Bahia ainda está criando o Plano Estadual do Livro e da Leitura e os municípios, em sua maioria, ainda não possuem o Plano Municipal do Livro e da Leitura. As escolas, como trabalham a leitura de obras literárias? Quem são os autores indicados para leitura? Por quê? Precisaríamos pensar a questão do cânone. Após todas estas indagações, então eu afirmaria: O Brasil é um dos países que mais se produz livros, porém eles não circulam, não chegam ao público leitor, são produzidos por pequenas editoras, só as grandes redes editoriais que, investem em distribuição e marketing, têm espaço no mercado livreiro. No caso da Bahia e, mais precisamente, da microrregião Litoral Norte/ Agreste Baiano, há muitos escritores e poetas com livros prontos para serem publicados, porém os custos são altos e o rendimento mínimo. Destes, muitos publicam por editoras do Sudeste (Rio de Janeiro/ São Paulo), o que torna a produção mais cara, para os padrões da sociedade da microrregião, que não tem a leitura de obras literárias como algo fundamental, isso dificulta ainda mais a circulação do livro. Concluindo, eu diria que nosso maior desafio é fazer circular as obras, divulgá-las e a escola pode ser uma grande parceira neste processo.

AB – Sendo você também professora, o que faz para contribuir neste processo de circulação, divulgação e recepção do livro?

CA – Em palestras, nas quais sou convidada; nas aulas, porque também leciono no Ensino Médio, Língua Portuguesa e Literaturas da Língua Portuguesa no CEDEPS, estou sempre trazendo a importância da leitura para a vida cotidiana. Sendo que no mestrado em Crítica Cultural, trabalho com a obra em prosa de escritores de Sátiro Dias que, trazem à cena o Junco como um entre – lugar, no qual o cotidiano é reinvento, não é estranho me ouvir falando de escritores conhecidos nacionalmente, ou internacionalmente, como Antônio Torres, e logo depois de escritores locais, como Luiz Eudes, numa perspectiva global. A quebra de fronteiras é constante em minhas ações, pois nos espaços que circulo divulgo tanto a literatura nacional, quanto as regionais, locais de Sátiro Dias, Alagoinhas, Salvador, porque não Sergipe, outros escritores estrangeiros, conhecidos ou não, como a oposição Pablo Neruda, Gabriel Garcia Marques versus Juan Andrueza.

AB – Você está fazendo mestrado em Crítica Cultural, isso te faz cobrar mais de si mesma em suas produções literárias?

CA – Não muito! Tento não misturar as coisas. Lógico que o mestrado contribui para a elaboração de leituras mais críticas, instrumentaliza a estética, faz pensar a recepção. Entretanto, o fazer literário não é alterado, de modo pensado, há reflexos, mas não como cobrança, se cobro demais nos aspectos estruturais, o texto fica parecendo mecânico, perco o meu estilo próprio. Há muitas contribuições de professores ou colegas do mestrado em bate-papos informais, com isso, não instrumentalizo a escrita como um projeto, com fins de agradar a academia, o momento de criação literária é um momento de liberdade, não gosto nem posso prender-me a ditames, nem o mestrado exige isso.

Palestra de lançamento de Tatuagem.
AB – Seu trabalho de mestrado está voltado para a literatura produzida predominantemente em Sátiro Dias, ou por escritores de lá. O que te levou a escolher essa temática?

CA – O cotidiano no qual convivo, desde a infância, ouvia falar do menino do Junco, que viria a se tornar o escritor Antônio Torres. Nasci em 1974, em 1976 ele publica Essa terra, porém só vim a conhecê-lo pessoalmente e a ler sua obra em 1993, na inauguração da Biblioteca Pública Municipal Antônio Torres. Desde a infância conheci um jovem fascinado por este escritor e seu mundo recriado literariamente, o Luiz Eudes, também conheci Ademilton Saldanha e Marcelo Torres, que se tornaram escritores e este ultimo jornalista; já Allan Oliveira, tive contato no CEDEPS, fui sua professora de Língua Portuguesa e Literaturas da Língua Portuguesa no Ensino Médio; por sua vez Ronaldo Torres foi o último a quem conheci, tendo contato inicialmente com sua obra Arraial do Junco: crônica de sua existência. Não foi o fato de conhecê-los que levou-me a escolher o Junco como espaço de criação literária, mas a percepção de que este espaço é um entre-lugar da realidade/ficção, que ajuda na floração do imaginário de seus escritores. Assim, o potencial de criação literária deste lugar passou a ser meu objeto de pesquisa, nela trago o centro e as margens da literatura em rotação com Antônio Torres e os demais escritores d’essa terra.

AB – O que você tem a dizer sobre a nova safra de escritores satirodienses?

CA – Costumo dizer que os escritores com os quais trabalho: Ademilton Saldanha, Allan Oliveira, Luiz Eudes Andrade, Marcelo Torres e Ronaldo Torres, são meus parceiros de estudo. Estes citados pertencem a nova safra de escritores publicados em prosa, entretanto existem outros, não publicados, também muito bons, alguns poetas outros contistas. Sátiro Dias é um grande celeiro literário, precisa de incentivo constante para que meninos e meninas, muitos ainda estudantes, permaneçam tendo este gosto pela leitura e pela escrita. Uma das próximas revelações, entre os não publicados, é Eryka Guylliane. Aguardem! Ainda diria aqui que, Antônio Torres e a Biblioteca que carrega o seu nome são grandes incentivadores, mesmo que indiretos, deste fenômeno literário que ocorre em Sátiro Dias, o deslocamento: local x global. E a escola desde professora Teresa e professora Serafina até hoje, ainda é espaço de recepção literária e incentivo a leitura, mesmo com seus muitos entraves.

AB – Fale-nos dos seus planos futuros como escritora:

CA – No momento estou trabalhando um romance, com título provisório, O divã em Xeque, são laços e entrelaces na vida de uma psicóloga. Tenho lido muito sobre psicologia, mas este não será meu próximo projeto, preciso de mais um tempo para poder construir os tecidos das histórias emaranhadas nesta narrativa. Meu próximo lançamento poderá ser Nossos nós (poesia) ou Xeque-mate (contos e crônicas), ainda estou negociando com editoras. Neste meio tempo estou trabalhando a defesa de O JUNCO: lugar personagem na obra dos escritores d’essa terra, minha tese de mestrado. Depois disso, meus planos como escritora é continuar escrevendo, publicando até meu último suspiro, quanto a carreira profissional, não sou muito de pensar. Para mim a literatura como a vida acontece, não dá para planejar. Tenho muita coisa já escrita, tanto em poesia quanto em prosa, mas data prevista para publicação, qual será o próximo livro, quando terei novo lançamento, qual a editora... Ainda não sei com exatidão! Não sou uma pessoa de momento, mas busco viver cada instante com intensidade, meu tempo é o “agora”, não sei nada do futuro, tenho apenas pequenas projeções, entretanto, posso dizer, aguardem o próximo livro, ele será interessante.

Cristiana Alves com Abimael Borges

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