CONTOS

Novidade de Mulher

Do livro "O Anjo do Jardim" de Abimael Borges.

Depois de uma semana inteira de trabalho duro sob sol causticante na pedreira do Lajedo Alto, pelas bandas de Santa Luz na Bahia, Elson chegou em casa quase ao meio dia. Encontrou sua mulher esbravejando por conta da demora, por conta da falta de grana, por conta das dívidas que tinha contraído. O que Elson queria era apenas tomar um banho, almoçar, cair na cama e dormir a tarde inteira, para mais tarde fazer uma besteirinha com sua mulher, talvez tomar uma gelada no bar da esquina e dormir outra vez até o domingo cedo. Mas não era bem isso que sua mulher queria: ela estava pensando em fazer uma surpresa para o marido. Tinha uma novidade urgente para contar e para isso havia se preparado toda. Tinha feito unha, cabelo, depilação. Ela já tinha esquematizado toda a tarde do sábado e a noite pra sair com o marido em seu fusquinha, para comemorar a novidade. Elson não quis saber de nada. Chegou reclamando e dizendo que estava cansado. Diante da notável indisposição de Elson, começou a questionar seu trabalho e outras coisas. Sentindo-se mal pela recepção pouco acolhedora da esposa e querendo fugir de suas cobranças, tomou o rumo da rua.
O fusca era seu xodó. Foi presente do pai e seu primeiro veículo. Poderiam fazer qualquer coisa com ele, mas não tocasse e nem falasse mal do seu fusca, pois Elson não respondia por si. Enquanto sua digníssima esposa praguejava lá de dentro, Elson arrancou o fusca da garagem e seguiu para o boteco Cantinho do Céu, um lugar animado onde certas moçoilas comparecem para agradar aos fregueses e tirar umas casquinhas dos mesmos enquanto perdura seu estado de embriaguez. Foi no Cantinho do Céu que se encontrou com Zezinho Piléria, Miudo Zambeta e Catuí de Nei, rapazes folgados que gostam de tomar uma cana da boa. Não poucas vezes são vistos perambulando pelas ruas de Santa Luz cantarolando cantigas antigas, soltando palavrões, cuspindo nas portas dos outros e enchendo o saco dos donos de bares por uma caninha de graça. Pois foram esses inquilinos que Elson, em seu estado de desilusão encontrou no Cantinho do Céu e com eles começou a beber.
Todo bêbado logo fica rico e começa a pagar pra todo mundo. Zezinho gritava: desce a próxima rodada por minha conta. Miúdo, pra não ficar por baixo, pedia: uma rodada de carne seca. Catuí, modesto, fazia questão de servir a todos com grande generosidade e galhardia. Elson, envaidecido, pagava outra e outra rodada de modo que, já se havia esquecido dos problemas do lar.  A tarde passava, a festa rolava, e sentiram vontade de mudar de bar. Catuí sugeriu que fossem ao Cantinho Universitário, um boteco frequentado pelos maconheirinhos da faculdade e pelas patricinhas da cidade que era carinhosamente chamado pela impronunciável sigla, mas Zezinho saiu com outra ideia: poderiam ir ao bar do Careca, é pequeno, mas rola uma pinga boa e, de vez em quando, as mulatas da rua do Corre Nú vão lá apreciar os visitantes, boa era a ideia, entretanto, Miudo pronunciou a sentença: vamos comprar uns litros de pau de rato, fubuia, casca de pau e vamos tomar à beira do rio Itapicuru, comendo peixe fresco pescado e assado na hora.
Os quatro bêbados entraram no fusquinha e se mandaram para o rio. Lá encontraram todas as mulheres solteiras e enroladas da cidade, todas vestidas de roupa de banho, bebendo, nadando, ouvindo música e fazendo festa. Era tudo que queriam. Elson parecia um pinto no lixo de tão feliz que estava e os outros nem se fala, para eles, tinham chegado definitivamente no paraíso. Tudo parecia calmo até que se ouviu um burburinho lá em cima, a sirene da polícia aumentava e os bêbados começaram a correr: uns porque estavam dirigindo, outros porque portavam drogas ou arma, outros porque não queria confusão. Os quatro bebuns entraram no fusquinha e saíram em disparada pela estrada de cascalho, chegou na pista em ziguezague e entrou na cidade costurando o trânsito, os bêbados faziam algazarra ignorando qualquer perigo e as autoridades.

Elson mal conseguia se orientar pelos bairros da cidade até o endereço da própria casa havia esquecido. Quando notaram que a viatura policial se aproximava, pararam em frente a uma casa na avenida, um dos gaiatos desceu do fusca e começou a gritar “mãe, oh mãe, abre ae o portão”, a viatura passou e os espertinhos entraram no carro outra vez e seguiram em frente. A noite caía e finalmente Elson se orientou no caminho de casa. Deixou o carro na frente de casa, pois não acertou colocar na garagem, e começou a chamar pela mulher. Poucos instantes a viatura policial chegou novamente. A algazarra dos fanfarrões acabou, estavam com medo de que fossem presos, a policial desceu da viatura e disse: seu Elson, o senhor está preso por perturbar a ordem. Quando ela se aproximou foi que ele percebeu que a policial era sua esposa, a novidade que ele não teve tempo de ouvir, mas que teria muito tempo durante a noite que passaria na cadeia.

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